QUERER  É  PODER

Passeando pelo Recanto das Letras numa manhã de domingo enquanto tomava o meu café matinal, deparei com a crônica: 'Eu Nunca Fui Sinhazinha' da Poetisa Érika LJ que me fez ponderar.

Nunca fui Sinhazinha, nem tão pouco Miss Caipirinha nas festas de junho. Talvez não quis ser Miss tanto assim por que, se eu realmente quisesse, creio que teria enchido o saco dos meus pais até conseguir, nem se eles tivessem que comprar todas as rifas.
 
                        

Atualmente, compro votos da minha neta Heloísa que a minha filha faz questão em vender pessoalmente entre seus amigos, colegas e familiares para ajudar a escola. Mesmo vendendo entre 50 - 100 votos, a minha filha não tem intenção de ver a sua filha de quatro anos ser a 'Miss Caipirinha' e nem a minha neta se assanha em vencer o tal concurso. Aliás, a Helô prefere ser daminha de casamento, princesa, sereia, fada ou bailarina por que elas têm muito mais a ver com 'As Princesas' da Disney do que a Rosinha do Chico Bento.

             
 

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                Mais uma Princesa - A Heloísa como Daminha no
                    casamento do primo Rodger - 2012.

Maioria das meninas de hoje em dia quer 'aparecer' ou 'arrasar' perante seus colegas e se possível em todo Face Book. Muitas não medem esforços e quando a vida proporciona uma oportunidade, elas dão o bote.

Pra chegar onde sonha em chegar é preciso querer muito e ter muito empenho, sem contar com um bom networking. Mas em 2002 as coisas ainda não giravam em torno da internet, nem do You Tube. 


O Dia do Estudante é festejado com uma grandiosa festa na escola onde eu lecionava. Uma confraternização muito bem organizada e bela entre alunos, professores, pais, familiares, comunidade e funcionários todo 11 de agosto onde focamos no talento da garotada e de quem trabalha com ela. Aquele ano de 2002 a festa foi na Cidadela da Antártica. Calculamos mais de 1,500 alunos do Ensino Médio entre os dois períodos, imagine para quanto subiria com o número de convidados. Era um número bem elevado e a festa na certa bombaria. Se alguém estava pensando em dar a cara para bater, essa festa era o momento mais apropriado para mostrar a cara e ganhar o tapa ou dá-lo.

O Dia do Estudante chegou e lá fomos todos à Cidadela comemorar. Professores organizavam seus workshops dos mais variados para mostrar à comunidade como interagimos com os alunos em aula enquanto outros davam os toques finais no palco onde as bandas se apresentariam. Funcionários e pais voluntários na cozinha fazendo lanches, sucos e doces para serem degustados durante a festividade e muitos alunos colaborando do jeito que podiam para fazer a nossa festa um sucesso.

Resolvi fazer o meu passeio público naquele imenso local e me misturei entre os alunos e demais convidados. O meu workshop seria às 10 horas e ainda eram 8 da manhã. O jeito era dar minha voltinha e interagir com o povo.

Um aluno me chamou e lá fui ao seu encontro. Quão diferente ele estava sem aquele uniforme marrom que todos odiavam. Já haviam tentando mudar a cor inúmeras vezes mas, a Diretoria da Escola batia o pé e continuava com a tradição de quarenta e poucos anos. Era um tormento ter que ouvir os nomes feios e ridículos que alunos de outras escolas os chamavam: Toddyinho, bostinhas ambulantes e tudo mais que pudesse lembrar qualquer coisa que fosse da cor marrom, mau gosto e fedido. Ao mesmo tempo eu via que aquele uniforme não era pra qualquer um.

               

Só mesmo quem encarava a dureza de fazer o Ensino Médio e Curso Técnico o dia todo conseguia tirar de letra em ser chamado de 'merdinha' e nem se lixar para o que os outros pensavam. Estudar na ETT era muito maior e nada que vinha de baixo atingia os nossos alunos. Nada!

Papeamos sobre as mais de 30 bandas que tocariam. Só não seriam mais por que estipularam um limite. Se a inscrição tivesse sido aberto para a comunidade, na certa teríamos muito mais bandas. Interessante como uma escola tradicionalmente técnica conseguia reunir tantos músicos e cantores. Muitos dos meninos estavam lá por causa da bendita tradição familiar que exigia que o filho fizesse escola na maior escola técnica de Santa Catarina. As meninas nem sempre fizeram parte da história da escola mas, aos poucos começaram a invadir a praia da ETT que focava muito na área mecânica e química. Nunca houve um grande número de alunas como naquele ano de 2002. No ano seguinte teríamos muitas mais e a cada ano depois o número cresceria mais e mais, quase empatando com o número de alunos masculinos.

Perguntei ao meu aluno assim do nada, "Então, pretende ser como quem?" Vi no seu rosto um tremendo ponto de interrogação estampado. Depois de uns minutinhos e respondeu, "Não entendi, Teacher. Como assim: Ser como quem?" Questionei se ele queria ser famoso, bem famoso ou famoso tipo 15 minutos de fama. Ele me olhou e disse que não havia pensando nisso ainda. Respondi, "Bem, acho bom ter uma ideia se quer ser um Roberto Carlos ou um Tiririca da vida, né?

                     


Ou sei lá, quem sabe um Morris Albert." O menino ficou sem noção, "Quem é Morris Albert, Teacher?" Lá fui eu dar um flashback básico dos anos ´70 ... 

                   

"Morris Alberto é um compositor e cantor brasileiro cujo  nome na verdade é Maurício Alberto. Nos anos ´70 era moda os cantores brasileiros terem seus nomes artísticos em inglês. Fábio Júnior se batizou de Uncle Jack mas depois apostou no Mark Davis que teve seu momento de fama. O Christian, do Christian e Ralf, fez sucesso solo cantando em inglês. Um tal de  Dave McClean lançou um single: "WE SAID GOODBYE" que foi top por semanas competindo com cantores dos EUA. Alguns cantores seguiam essa linha mas, o Morris Albert foi quem mais fez sucesso e com uma única canção chamada:


                   "FEELINGS"

que ficou super conhecida no mundo todo, mais do que qualquer canção do Roberto Carlos, acredita?  Então, quer ser famoso por muitos trabalhos musicais ou apenas uma canção que nem "Feelings" do Morris Alberto ou igual o Tiririca com sua "Fiorentina"?" O jovem deu uma risadinha e disse, "Vou ter que pensar no assunto. Fama, reconhecimento, grana, ..." Não pude resistir e acrescentei, "Talvez garotas?"  Ele riu e disse, "Pode até ser, né!?" E claro, rimos muito.

Do nada, o MC da festa anunciou a primeira atração. Três meninas fazendo o cover do Girl Band "LAS KETCHUP". Só consegui pensar comigo mesma: Que lou-cu-ra! Subir no palco, na frente da escola inteirinha, mais convidados e fazer um cover do hit "ASSEREJE!?

                      

Garotas extremamente corajosas! Nos meus teens não havia Girl Bands. Era mais artista feminino solo. Jamais teria tido tanta coragem pra subir no palco do auditório trajando um jeans cocota, blusinha me chama que vou, rebolar e cantar solo. Creio que nem se fosse em dueto ou trio. Cantava no coral da escola mas, aí era outros quinhentos. A garotada de hoje realmente tem nervos de aço! Como diriam em inglês: They´ve got balls of steel! Mesmo sendo garotas.

As três meninas deram um show digno das "Las Ketchup"! Deveriam ser muito mais do que apenas colegas. Na certa eram amigas de verdade. Cúmplices. Irmãs de coração, amigas do peito pra o que der e vier. No fundo, senti aquela invejinha branca daquele laço que as uniam.

Houve uma pequena vaia mas, o aplauso veio com tudo e inundou a Cidadela. O descontentamento de alguns teens sem graça e noção foi totalmente soterrado e as três agradeceram o aplauso com seus enormes sorrisos Colgate e um reboladinho.

O meu aluno ria que se acabava dizendo: "Garotas dissimuladas essas!" Olhei bem pra cara dele e perguntei o por quê daquele deboche desnecessário. Ele respondeu, "Capaz, Teacher! Subir lá no palco, na frente da escola inteira e se fazer de palhaço? Pára né! É ter muita cara de pau mesmo!""

Pensei um pouco e retruquei: "Sabe, achei as três super corajosas. O primeiro show do dia com uma platéia das mais variadas, cantar toda a letra daquela canção em espanhol com seriedade e ainda por cima rebolarem todas jeitosinhas sem parar ... Caramba! É muita determinação e coragem!"

O menino parou de rir. Acho que ele percebeu o quanto a vontade delas inspirou a garra toda em executar uma missão bastante difícil e sairem ilesas após exibirem seus talentos escancaradamente perante um grande número de colegas, professores e familiares. Pedi licença e fui até o palco confirmar a coragem do trio pessoalmente e dar os meus parabéns.

Chegando lá, vi as garotas ao lado da mesa de som. Não eram alunas minhas mas sim da Viviana, a minha colega que lecionava espanhol. Me aproximei e disse: "Belo trabalho meninas! Parabéns!" Dei um beijo no rosto de cada uma.

Não tinha como não falar. Precisava expressar a minha opinião: "Vocês são corajosas mesmo, meninas! Subir naquele palco, cantar tudo direitinho e dançar toda coreografia do 'Assereje' tão bem ... Uau! Tenho certeza que essa experiência vai ser um estimulo pra muitos desafios futuros!"

Pareciam não decifrar o que acabara de dizer mas uma delas se manifestou: "Obrigada de novo professora. No fundo, a gente só queria brincar mas pensando assim como acabou de falar, também tô achando que depois dessa não vou sentir encabulado nem mesmo medrosa ou envergonhada em enfrentar qualquer desafio. A gente ganhou uma vaiazinha mas, e daí! Isso não importa quando a gente realmente quer fazer alguma coisa. Não é ´migas?!" As outras duas mosqueteiras responderam numa ínica voz: "É isso aí!" 


É por aí mesmo. O que não mata a gente na hora, ajuda a nos fortalecer e prosseguir.


OBS 1: Ao longo do tempo, "Feelings" vendeu cerca de 10 milhões de discos em todo mundo, tornando-se um dos maiores êxitos musicais brasileiros no exterior.
OBS 2: "Feelings" está registrada nas seguintes vozes: Ella FitzgeraldNina Simone, Caetano VelosoFrank SinatraEngelbert HumperdinckShirley BasseyGlen CampbellThe O'Jays, Sarah Vaughn, entre muitos outros.
 

Eu nunca fui sinhazinha... 

8 jun. 2013 ... Minhas irmãs estavam passando mal de tanto rir, mas, isso não é tão engraçado assim: eu nunca fui sinhazinha. Fiquei aqui questionando ...
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Calada Eu
Enviado por Calada Eu em 10/11/2013
Reeditado em 15/11/2013
Código do texto: T4564482
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