Conversa com Georginho

Depois de uns dias de vir ao mundo eu vi no jornal a foto do Georginho. Sim, o bebê real. Lindinho, gudi gudi. Fofíssimas as bochechas Reais. Vontade de apertar, acariciar muito.

Eu jamais vira um bebê tão parecido com o meu, de mais de duas décadas atrás. Cabelinhos claros, boquinha carnuda. Parecidíssimo e esse fato muito me chamou a atenção. Seja muito feliz, Georginho. Brilhe na vida e tenha orgulho dos seus pais e da sua avó.

Sabe, Georginho, fofo, gudi gudi, a sua avó era ótima. Moralmente a mais elegante dessa Monarquia, além de linda. Ela se preocupou em dar visibilidade aos desafortunados, a primeira a abraçar aidéticos com carinho e sem medo, começou a brigar pelo fim das minas terrestres... mas isso você só vai entender depois. O mundo todo gostava dela, menos o teu avô. Mas é bom você saber disso. Quando você for rapaz, lembre-se do imenso sofrimento moral da sua avó e trate bem os sentimentos alheios, porque feridas na alma matam. A pessoa sofre tanto, se confunde, tenta viver... mas a ferida está lá e não há Mertiolate Real que cure, mesmo que a Rainha sopre para não arder.

Deve ser fantástica a vida em Londres, no meio da realeza, vida recheada de história, de uma importância construída ao longo de vários séculos... mas, Georginho, não se esqueça de viver intensamente, brilhar, afagar o mundo.

Por mais que seja boa a sua vida - e desejo isso verdadeiramente, eu penso: ô, garoto, você não vai vivenciar coisas importantíssimas. Você não vai conhecer e passear pelo nosso bairro italiano do Bixiga, centenário reduto italiano da nossa São Paulo, nem comer pizza, sentir a poesia do perfume do forno à lenha entranhada nas ruas do bairro. Você não vai passar na praça Dom Orione e tirar uma foto ao lado do busto do Adoniran Barbosa. É, Georginho, o pai do "Trem das Onze", da "saudosa maloca" , tem também "O samba do Arnesto" (Georginho, é Arnesto e não Ernesto, viu?) o nosso maior poeta popular, sambista de mão cheia.

Não vai passear pela Mooca e muito menos ouvir um "orra, meu" carregado de sotaque calabrês.

Puxa Georginho, você não vai comer algodão doce e muito menos raspar a panela de brigadeiro com a colher de pau. A "puxa" do doce de leite, o queijo derretido na frigideira antes do tempo do microondas. E nem curtir um picolé de groselha nos jardins do Museu do Ipiranga. Doce de abóbora de coração? Nem pensar. Sabe aquela viagem de carro, com o tio, levando na bagagem um frango assado para depois encarar uma laranja pera? Aquela churrascaria da estrada. o pastel da feira... O pastel do mercadão da Cantareira e a coxinha da Padaria Santa Tereza, sabe onde é? É bem ali, ó, atrás da catedral. A maria-mole comprada na loja do Shiguero, lá na Lins de Vasconcelos, o doce de batata-roxa...

Não vai ouvir a melodiosa e alegre Funiculi Funiculà nas festas de Santa Acheropita e nem comer feijoada na casa da tia Norma. Sim, tomara que você tenha uma tia Norma, de olhar exuberante num coração cheio de amor.

Não vai acontecer muita coisa no teu coraçãozinho porque você não vai cruzar a Ipiranga e a São João e, provavelmente, não vai conhecer o suave batido da Bossa Nova.

Espero que você conheça, pelo menos, o Vinícius de Moraes, aquele que cantava "ser alegre é melhor do que ser triste, a alegria é a melhor coisa que existe, é assim como a luz no coraçããããão."

Guri, mesmo sem isso, seja muito, muito feliz. Você parece o meu filho e eu dei a vida por ele. Mostrei todos esses lugares. Servi-lhe as melhores comidas de São Paulo. Apresentei a ele os lugares históricos, os bairros operários, a praça da Sé como palco de inúmeras manifestações pela democracia. Mostrei o Museu da Língua Portuguesa, o MASP.

Seja feliz, garoto, que parece o meu Vinícius e só por isso, já te quero muito bem.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 11/11/2013
Reeditado em 11/11/2013
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