"Quem espera, nem sempre alcança"

"Eu estava grávida e ainda era de manhã. Percebi, pela fresta da telha, os raios de sol.. O chão estava duro, duro estava meu coração de medo, de medo meu corpo não conseguia se mover. Grávida, eu, ali, jogada no chão como uma estopa vela, uma folha de papel amassada e minha barriga doía, mas eu nem conseguia me movimentar. Uma vontade crescente de gritar, mas o medo era maior... E se ele acordasse novamente? Já era de manhã, como era manhã o outro dia: Acordei cedo, fiz café, fui ver se havia chegado água, aguei as plantas e ele nada de acordar, nada de vir provar das tapiocas com queijo que eu fiz com tanto amor e enquanto regava as plantas lembrava de outros tempos. Quando a gente se conheceu foi tão bom, tudo era tão bom. Ele me mandava flores, me trazia chocolate, levava-me ao cinema, assistíamos filmes românticos e vivíamos romances... Ai, algumas contrações, um ardor entre as pernas e nada de poder me levantar. Ele se foi e eu nem percebi, passou todo o dia longe e nenhum telefonema, diferente de antes quando me legava de hora em hora só para dizer que me amava. Tínhamos planos e sonhávamos em construir uma família e assim casamos e agora eu lembro que estava descascando as batatas para o almoço e ele chegou sem que eu percebesse. Foi a cozinha, eu de costa, ele me pegou pelos cabelos e me puxou... Ai, ai, ai, não faz assim, para, assim dói, assim não pode ser, foi quando ele deu um tampão em minhas orelhas e eu fiquei zomza, conduzi minhas mãos a barriga e não tive forças de permanecer de pé, caí e bati com a cabeça no fogão. Mais uma vez ele estava bêbado, proferia palavras ensandecidas e pisava os meus pés, meus dedos dos pés, minhas unhas... Eu vi quando ele tirou o alicate do bolso do macacão sujo de graxa ameaçando arrancar-me as unhas... Eu estava grávida e ele me chamava de vagabunda, puxou-me pelos braços e rasgou-me o vestido dizendo-me não ser dele aquele monstrinho que carregava na barriga, que iria me matar, descobrir quem era meu macho e também o mataria... Ele não era uma pessoa má, não antes, era tão carinhoso e queria ser pai e nesse momento atirou-me uma xícara da testa que vi estrelas de todas as cores e ele passou a tirar todos os pratos na parede... Gritei, gritei muito e alto e fui calada com o rolo do macarrão acertando-me bem aqui, veja, no cotovelo direito. Perdi a fala, parei de gritar e ainda tinha algumas lágrimas. Não rezei. Não disse mais nenhuma palavra. Tudo ficou escuro dentro de mim. Tudo virou noite. Tudo era escuridão... Eu, grávida, fui arrastada pelo chão da casa, pelo cabelos e fiquei desacordada.... Eu estava grávida e ainda era de manhã. Percebi, pela fresta da telha, os raios de sol.. O chão estava duro, duro estava meu coração de medo, de medo meu corpo não conseguia se mover... Doutora, posso beber um pouco de água, posso? O meu príncipe virou sapo... Eu ali, não sei de onde, mas consegui forças, saí me arrastando até a cozinha, consegui sair até o quintal e me vizinha me avistou, me socorreu... Hoje já não estou mais grávida, a vida saiu de mim. O meu braço nunca mais será o mesmo e meu nome Dasgraças, agora, é só Desgraça e pela desgraça da minha vida vou lutar por justiça até o fim... Aprendi que quem espera, nunca alcança, é preciso ir atrás para poder conseguir".