O gato da vizinha

O gato Leo da vizinha sente-se dono da minha casa. Vem, passeia pelo meu quintal todas as tardes e desfila pelo meu telhado todas as noites. Eu não lhe dou de comer e nossa relação segue em tom de respeito e distância. Às vezes, em frente minha janela, ele vela meu sono com aqueles olhos brilhantes de gato livre não castrado. Foi assim na primeira vez que eu o vi; levei um golpe tamanho, tremendo susto ao deparar-me com seu vulto. Depois disso acostumei-me agindo como ele, indiferente e resignado.

Acontece que o gato Leo sofreu grande golpe em sua rotina nesse fim de semana; recebi algumas visitas e esqueci-me de avisar o felino. No começo não fiquei preocupado, já que nosso envolvimento não é tão estreito e estabelecido assim. Leo viu quando eles chegaram: malas, saudades e vontades incontroláveis de comer pão com ovo. Eu como bom anfitrião indiquei aos meus decorosos convivas o caminho da padaria. E não satisfeito os acompanhei. Forneci frigideiras (sujaram mais de uma), bule e o meu sorriso de satisfação. Os pisos brancos da cozinha comungaram da mesma satisfação. Menos Leo da vizinha.

Como era manhãzinha, horário normal de estar, ou morgado na cama ou estendido na rua, minha casa seria seu refúgio da farra. Ainda mais que naquela noite ouvi a festinha que a gataria aprontou no quarteirão da frente. Mas não agora não. Aquele passeio matutino entre o tomateiro e o varal ficaria para depois. Ficariam postergados também o telhado, o muro da frente e a porta lateral – lugares que seus odores inconfundíveis entregam ser de sua predileção.

Burburinho, ele ouviu muito burburinho, e a voz estridente e incessante de criança. Sim, havia criança no grupo. O gato Leo deve gostar de criança, apesar de não ter demonstrado. Talvez medo que fizessem como aos cachorrinhos de madames, impondo roupinhas ou apertando o rabo e quem sabe levando pelo colo a dançar. Não, seriam muito humilhantes para ele essas coisas, melhor manter-se afastado. Como eu não tive a mesma opção (o convite partiu de mim) recebi de bom grado os presentes, dormi no sofá e joguei vídeo game com o moleque estridente.

Aliás, que sofá! Com aquela barra de madeira no meio, separando meu corpo em duas partes doloridas e cozidas pelo calor. Tive que escolher dentre os pés e a cabeça qual sofreria o infortúnio de passar a noite separada, pois no sofá não cabíamos todos juntos. Sobrou para os pés que dormiram afastados, suspensos por umas almofadas. Tudo pelo bem dos convidados; apenas uma noite, pensei. Mas tenho certeza que o gato Leo da vizinha não teria tamanha compaixão. Miaria impassível e mostraria as garras a quem quisesse. Grande bichano!

Apesar de tudo, Leo e eu sabemos que a vida tem disso. Os hóspedes vêm e vão, usam nossa frigideira, improvisam uma churrasqueira, abusam do suco de melão, pegam todo o doce de leite, mas quando vão embora deixam – além do banheiro sujo – um aperto no coração. Um sentimento de vazio, de saudade que só os amigos deixam. Coitado do gato Leo da vizinha se nunca passou ou passará por isso.

Super Bacana
Enviado por Super Bacana em 21/11/2013
Código do texto: T4580553
Classificação de conteúdo: seguro