OS INCOMODADOS QUE SE RETIREM

O segundo piso da biblioteca, local onde os estudantes dirigem-se para estudar, ler, refletir estava quase lotado.

As mesas redondas, forma que lembra um convite ao debate científico, estavam dispostas em perfeita harmonia com a figura geométrica retangular do salão. Havia também umas cabinas individuais, para pessoas também individuais.

O clima estava um pouco calorento. Era a irradiação do calor humano que concorria com o climatizador de ambiente. Havia um quase silêncio. Escutava-se, de maneira incômoda, um cochicho, um bater de lábios. Eram palavras que se perdiam no espaço físico (acho também que algumas se perdiam no espaço do discurso).

Em cada mesa havia uma tribo. Em cada cabina havia uma ilha. Os olhares de cada grupo moviam-se obedecendo à órbita de suas mesas. Ninguém ousava lançar um olhar fora de órbita. Ninguém olhava para quem era de outro grupo.

As que ocupavam as cabinas estavam todas de costas para o salão e com os rostos voltados em direção à parede. Algumas sentavam-se em suas cadeiras, aproximavam os queixos ao peito e ali ficavam estáticos, olhando em direção às páginas de seus livros; outras, apoiavam os cotovelos na bancada, enfiavam as mãos por entre os cabelos, como se quisessem sentir a pulsação de seus pensamentos.

Eu era um meio termo ali. Estava sentado sozinho à mesa. Eu era uma tribo de um só. Ao meu lado, na mesa próxima a mim, depois de um tempo, sentaram-se duas pessoas do sexo feminino. Estavam usando o local para bater um bom papo comercial. Uma delas puxou um catálogo de cosmético e começou a oferecer os seus produtos milagrosos entre risos e gracejos.

A compradora, por sua vez, ria como se algo estivesse ficado frouxo dentro de si. Era um riso não tanto alto, mas que me estava “cutucando”. A insistência da vendedora fazia com que não conseguisse ficar calada por um instantinho sequer.

Nessas alturas, os meus nervos estavam à flor da pele. Não conseguia mais passar do parágrafo que estava lendo assim que essas duas pessoas sentaram-se próximas a mim. Li umas mil vezes o mesmo parágrafo e mesmo assim não conseguia dialogar com ele.

Na minha cabeça as ofertas de vendas eram como marretas batendo em ferros. Minha cabeça pulsava. Por diversas vezes esquematizei um modo de dirigir-me a elas e pedir que fizessem silêncio. Era mais ou menos assim:

--- As senhoritas poderiam falar um pouco mais baixo, por favor!

Outras vezes dava-me vontade de fazer assim:

--- Xiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

Outras assim:

-- CAAAA-LEMMMM AAAA BOOOO-CAAAA!!!!! Vocês me deixam locou.

Senti até vontade de pegar o meu vade mecum e colocá-las para dormir rsrsrsrsrsrsrrs. Mas tudo isso não passou da vontade apenas. Olhei para o relógio do celular, levantei-me e fui embora. Aquelas duas pessoas continuaram ali falando e rindo e nem sequer notaram a minha angustia e retirada.

Desde criança aprendi que é o incomodado que deve se retirar.

Manoel Barreto
Enviado por Manoel Barreto em 24/11/2013
Código do texto: T4584228
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