A Madrugada da Dor


Acho que eu deveria ter uns dezenove ou vinte anos. Certa noite, saí do trabalho e fui à escola noturna, como sempre fazia, e lá fiquei até às dez e trinta da noite. Fui para casa, jantei, assisti TV e conversei com meus pais, normalmente, como sempre fazia. Um dia normal, uma noite normal. A única coisa diferente que fiz, foi tomar um comprimido de Descom antes de dormir, pois estava um pouco resfriada e com o nariz congestionado.

Acordei no meio da noite sentindo uma forte dor de cabeça. Fiquei deitada no escuro, achando que ela logo passaria. Mas, ao contrário do que eu esperava, ela foi aumentando de intensidade, até que tornou-se insuportavelmente forte. Levantei-me da cama meio-tonta, e aos gritos, chamei por meus pais, que dormiam no quarto ao lado. Enquanto eles telefonavam à minha irmã para que ela viesse com o carro e me levasse ao hospital, sentei-me do lado de fora, nos degraus que levavam à sala de estar. Achei que a brisa fresca da noite pudesse aliviar minha dor. Não me lembro como mudei de roupa.

O que eu me lembro, é que ao invés de diminuir, a dor só fazia aumentar cada vez mais. A pressão na cabeça também fazia com que eu pensasse que ia ter algum derrame. Eu olhei para o céu, e avistei as estrelas brilhando na imensa escuridão. Disse a mim mesma que logo estaria entre elas. Ninguém poderia sobreviver a uma dor daquelas.

Minha irmã e meu cunhado chegaram, e meus pais, já vestidos, me ajudaram a ir até o carro.  Eu estava muito preocupada com meu pai, que sofria do coração, e tinha corrido para encontrar minha irmã. Eles me perguntavam o que estava acontecendo, mas eu não sabia explicar. Só sentia dor, dor, dor.

Ao chegarmos ao hospital, minha irmã abordou o segurança, pedindo-lhe que chamasse o médico de plantão. Achei que eu fosse vomitar, e segurando a cabeça entre as mãos, dirigi-me ao banheiro. Lá dentro, enquanto tinha ânsias de vômito, escutava a conversa entre minha irmã e o guarda: "A doutora está dormindo no momento." Minha irmã respondeu-lhe: "Então vá lá dentro e acorde ela!"

Eu batia a cabeça contra a parede do banheiro, em desespero. 

Finalmente, a médica veio me ver. Estava descabelada, muito mau-humorada e foi direta em sua abordagem grosseira: "Que droga você andou tomando?" Quase aos gritos, respondi "Eu não tomo drogas!" Ela retrucou: "Ninguém sente uma dor assim à toa. Você só pode ter ingerido drogas." Minha irmã repetiu a ela que eu não tomava drogas, falando um pouco mais alto, e ela resmungou.

Depois, o que eu me lembro, é que eu acordei em uma maca na enfermaria. Não sei como cheguei lá. Minha mãe estava comigo, e tinha um soro em meu braço. Perguntei à minha mãe que horas eram, e ela me disse que eram quase três da manhã. A médica, de má vontade, explicou à minha mãe que havia colocado um coquetel com três medicamentos no soro, e que a dor passaria dentro de alguns minutos, e que eu deveria procurar um neurologista na manhã seguinte. Ela não voltou para me ver durante o resto da madrugada.

Mas a dor não passava. Lembro-me que havia uma outra senhora na enfermaria, com o filho, e ela e minha mãe começaram a conversar (minha mãe era sempre tão tranquila nessas horas...). A dor não diminuia. Só começou a ceder às seis da  manhã. Dormi, e quando acordei, era dia claro e a dor tinha sumido quase completamente. 

Procuramos o neurologista, que submeteu-me a vários exames e radiografias da cabeça. Ele não encontrou nada de errado. Explicou que talvez eu pudesse ter tido um pequenino derrame, quase insignificante. Pensei na dor que eu sentira, e que ela nada tivera de insignificante...

Fomos para casa, e aos poucos, o episódio foi esquecido.  De vez em quando, principalmente quando caminhava na rua, eu enxergava pequenas 'estrelinhas' brilhando em volta do meu campo de visão, que começava a fechar.  Eu achava que ia desmaiar, mas isto jamais aconteceu. 

A dor jamais voltou e nunca fiquei sabendo o motivo de tê-la sentido. Mas eu nunca consegui me esquecer do rosto daquela médica, cheio de raiva porque nós a tínhamos acordado, e de sua maneira grosseira e indiferente. Penso nas milhares de pessoas que são mal- atendidas assim todos os dias, e em seus parentes desesperados, que as acompanham de hospital a hospital sem saber o que fazer para ajudá-las,com quem falar ou como proceder a fim de conseguir atendimento durante uma emergência.

Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 24/11/2013
Reeditado em 05/11/2017
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