A chuva

Queria poder descrever a chuva em um sábado após o meio-dia, a chuva fina que chega quando as crianças aproveitando o dia sem aula brincam na rua com a bola. A chuva com seus contornos e o seu brilho cristalino. A chuva que faz as mães gritarem para os filhos entrarem, mas as crianças não respondem. Estão todas deslumbradas com o futebol.

A chuva que arrasta os feirantes para detrás das barracas no meio da feira. As mães com as crianças e os carrinhos de roda lotados de frutas se espremem debaixo do toldo de um bar. O balconista retruca. “É a chuva. Deus do céu mandou para lavar as almas”.

A chuva cresce. As mulheres sorriem e as crianças observam o cair dos pingos e o caminho da vala. Cena escarlate.

Queria descrever, mas não consigo. A chuva mais forte em uma tarde em São Paulo. A chuva que pega o fim da sessão de sábado na seção pública. O funcionário que caminha em direção à rua e pára próximo à porta, observando os vidros dos carros encharcados e os pingos que correm como que se disputassem uma São Silvestre. O comentário é o mesmo. “Esperarei a chuva ficar amena.” O dono do bar responde. “Hoje tem Corinthians e São Paulo.” Haverá uma chuva de gols.

As crianças da rua continuam a brincar. Não ligam para a camisa molhada e o chinelo que já remendado fica no canto da rua fazendo barreira para a água. As traves improvisadas de tijolos resistem. Beleza é para os meninos quando a bela mulata passa sem guarda-chuvas com a camisa branca ensopada colada ao corpo. Ah! A Chuva! Fininha ou forte deixando um cheiro de terra molhada no ar e embelezando o ar das mulheres.

O funcionário público quer pegar a condução. O lotação solta a fumaça, um ar quente que se acasala com os pingos – visão única. O ponto de ônibus lotado, cheio de indagações. A chuva aumenta. De onde ela vem? Para onde ela vai? Ficará para o domingo ou só veio modificar o sábado. E é sábado e aqueles que estão em casa desligam os aparelhos eletrônicos, eles têm medo dos raios e trovões. Os mais antigos cobrem os espelhos. Aproveitam para a sesta. Uma chuva de sábado na terra da garoa.

No gramado o centroavante tenta dominar a bola, porém o zagueiro esperto aproveita a água, que a divina espalhou, para dar um carrinho. O centroavante cai. O zagueiro como quase que sorrindo levanta. Foi a chuva. O goleiro sofre; a bola não para na luva.

Na casinha pobre lá na periferia, a chuva causa medo. A chuva briga com o telhadinho e desce caindo na panela que tenta evitar a molhadeira no chão. A mãe das crianças tenta não chorar, ela só olha para os céus e pede para chuva não se transformar em enchente. No último ano a chuva forte virou barro nas ruas da favela.

A música da chuva lá fora. O ânimo para o escritor. Na sua casinha humilde os pinguinhos do telhado caem sobre a mesa. A gotinha minúscula e atrevida corre no papel. A chuva molha a crônica. Espalha as letras. Bela chuva! A chuva de sábado que chega para purificar o fim da semana.

A chuva que no centro ou na periferia é a mesma, mas com efeitos diferentes, molhando vidas de maneira distinta. Como gostaria poder descrevê-la. Chuva no Centro ou no Sul, rica ou pobre. Uma chuva desejada ou não... Enamorada na terra ou desquitada do céu. Como queria poder descrevê-la. Queria descrevê-la, mas não consigo. A chuva parece indescritível!

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Danilo Guedes