Turista de Festa

Bam ! Bam ! Bam !

Ainda eram onze horas , a pouco chegara e me servira de uma taça de vinho tinto . Nada ali me agradava , musica ruim , cheiro de desinfetante vindo do banheiro para disfarçar o fedor de merda que alguém deixou para trás , a mobília , os tapetes pendurados nas paredes com imagem de animais , conversa alta , conversa idiota , gloria sobre o trabalho escravo no jornal , risos amarelos e ego la em cima de meia duzia que arrastava duas duzias para rirem e vangloriarem suas conquistas de merda .

Adoro meu trabalho !

A festa esta ótima !

A que horas serviram o jantar ?

Havia sido convidado e meio que me senti na obrigação de aparecer . Muita gente no trabalho me achava metido , se julgavam inferiores , achavam que eu os julgava seres inferiores quando na verdade nunca se quer tivesse pensado sobre o assunto . Então botaram o convite na minha mesa só para ver se eu ia , se não fosse seria julgado como estupido e egocêntrico . Por isso , la estava eu , caminhando entre a multidão , um ola aqui e um oi ali . Uma extensão do ambiente de trabalho , do papo , das pessoas . Desinteressado , deprimido , distante ...até que , próximo a mesa do ponche e das tortilhas de frango avistei essa que , com um cigarro aceso entre os dedos e um copo de licor de morango nos lábios , chamou minha atenção . Usava um vestido de festa preto , sandálias pretas e seus cabelos castanhos pareciam palha espalhados sobre seu cranio . Não se dava ao trabalho de encontrar um cinzeiro para bater o cigarro , deixava as cinzas caírem no chão como neve . Atrás de si um leão rugia no tapete pendurado na parede , sua boca engolia o corpo da mulher que botava alguns salgadinhos de festa na bolsa sem dar a minima para opinião de quem pudesse estar vendo . Hipnotizado marchei em sua direção . Simplesmente segui esbarrando nos ombros da minha chefe , da secretaria , do cara do RH . Preciso de alguma coisa , de algum assunto para quando chegar . Faça algum comentário sobre a decoração , sobre a piscina aquecida , a escada caracol que leva até o segundo piso ...pense , não seja um esquisitão mudo parecendo um retardado quando chegar a hora !

Um cigarro

Disse eu . Simples e direto . Mas a mulher entendeu ,me entregou o que estava fumando . Ainda lhe sobrava metade .

O que achou das bolinhas de queijo ?

Quis saber , botando duas mãos cheias delas na bolsa .

Não provei ainda .

Falei .

Estão borrachudas . Provavelmente mandaram requentar as sobras da padaria .

Dela exalava um cheiro de naftalina . Seu perfume era pura naftalina e se você fechasse os olhos imaginaria estar perto de uma idosa , mas na verdade ela não passava dos trinta . Sua pele era branca , coberta por uma camada grosseira de bronzeador artificial que estava quase laranja nos braços . A voz parecia percorrer um longo caminho até chegar como um sussurro alto até seus ouvidos . Depois de pegar tudo o que queria na mesa , se virou e tirou o cigarro da minha boca e o levou a sua .

Nunca te vi no escritório .

Falei , tentando buscar assunto . Seus olhos negros da cor do petróleo encontraram os meus . Era um pouco mais baixa e teve de erguer um pouco a cabeça como se estivesse lendo um anuncio num poste para dizer bem próximo do meu rosto :

Tenha uma boa noite .

E antes que conseguisse me mexer já estava no meio do salão , os cristais sobre sua cabeça despejando luz sobre seu corpo magro de Noiva Cadáver , abrindo caminho como Moisés no Mar Vermelho . Uma criatura fascinante, magica , solta na terra para me fazer pensar .

29/11/2013

16h11m

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 29/11/2013
Código do texto: T4592021
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.