“Oh! Minas Gerais”.

Tímida e com muito recato, eu começava os novos tempos. Recém-casada, morando longe de tudo o que me era costumeiro, eu ia me adaptando aos novos horários, novos percursos, calculando a distância de casa até as unidades do cursinho. Eu ia também me deparando com novas conversas. Para quem estava sempre se dedicando com afinco ao trabalho e valorizando a pontualidade, era preocupante ouvir falar da demora do ônibus Vila Sônia.

Motivo de piada na família do meu marido, da raiva propositalmente infantil misturada ao bom humor... “eu venho cansado, subindo toda a rua Manoel Jacinto. Quando estou chegando em casa, é só virar a esquina, lá vem o Vila Sônia”... e as conversas nunca terminavam aí. Outros casos similares iam aparecendo, sempre com as sonoras gargalhadas no final.

Curiosamente, raras vezes o Vila Sônia me deixou frustrada, parada no ponto de ônibus, me dando a possibilidade de apreciar o doce luar do bairro. Numa das vezes, ele veio em dose dupla, deixando meu marido perplexo com a minha sorte.

E voltávamos da casa da minha mãe naquele domingo depois do macarrão com frango. Num ponto de ônibus em Pinheiros, entrou uma tia do meu marido. Imediatamente, o Nelson lhe ofereceu o lugar ao meu lado. Conversa vai, conversa vem, eu disse a ela que tínhamos acabado de voltar de Minas. De pronto, a tia se empolgou e se pôs a falar dos lugares das Alterosas que conhecera tempos atrás. Falou do que mais havia gostado, de quando esteve lá, o que fez. Em meio à emoção, pôs-se solenemente a cantar o hino do Estado.

Oh! Minas Gerais

Oh! Minas Gerais

Quem te conhece

Não esquece jamais

Oh! Minas Gerais

E ela cantava a plenos pulmões. O cobrador olhava, os demais passageiros idem e eu não tinha o que fazer de tanta vergonha. Bem que eu tentava disfarçar, olhava prá fora interessada em não sei o quê. Eu fui ficando vermelha, dando aquela risadinha amarela para os companheiros de viagem . Eu ia concordando para ver se ela ficasse quietinha ou mesmo se cantasse mais baixo. Mas não teve jeito. Na pausa da música, para meu alívio, ela se punha a falar de Poços de Caldas, das belezas de Belzonte, e depois recomeçava valentemente

Oh! Minas Gerais

Oh! Minas Gerais.

E eu me mexia no banco, olhava de novo prá janela, tentava disfarçar... e nada.

Parecia que o cobrador observava mais ainda a cena e já tinha gente olhando prá trás e até sorrindo de leve. Uns comentavam alguma coisa. Era visível. Eu tentei mostrar alguma coisa na rua, prá ver se ela se distraía e esquecia de falar de Minas, quer dizer, de cantar, mas não tinha acerto.

Uma hora, chegamos ao ponto certo. Ela se ajeitou com a sua bengalinha e descemos. Ufa!

Jamais me esqueci da tia Amália, uma grande mulher e que soube trabalhar arduamente e partilhar amigavelmente com a família. Uma pessoa íntegra, filha de imigrantes italianos e que soube passar as dificuldades com espírito de luta, esforço desmedido e sem lamúrias. Inteligente, educada, ponderada. Uma pessoa ímpar. Pena que, por outras situações, eu demorei a compreendê-la. Também jamais me esqueci desse dia, da minha timidez, da minha falta de tato ao lidar com uma situação tão corriqueira e, ao mesmo tempo, nada condenável numa cidade que abraça todas as emoções.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 30/11/2013
Código do texto: T4592991
Classificação de conteúdo: seguro