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Emília Ferreiro- Psicolinguista e Pesquisadora Argentina




 
“...cabelos longos não usa mais...”
 
“Por que cê não corta o cabelo?”. A sensata pergunta me leva a esclarecer a quem possa interessar:  não corto porque ainda sonho ser Rapunzel. Ter uma trança imeeeeensa pra jogar da torre quando o príncipe vier.  O coitado atrasou a viagem. Tá perdido por aí em algum espinheiro, ou o cavalo anda meio capenga. Quanto às bruxas... Ando cercada. E das mais enxeridas, diga-se de passagem. Tá um perigo viver, ninguém calcula...
 
Bobagem. Estamos na real e Rapunzel nem foi das minhas: muito covarde pro meu gosto. Não conseguir nem dar um empurrãozinho básico naquela feiticeira fajuta? Ah, convenhamos... Quanto à pergunta que inspirou esse texto, explico, ou melhor, entendo: tudo porque dizem que cabelos longos não ficam bem nas mulheres com mais de 30. Levando em conta meus 54... Juntando x+y, chego ao  elemento faltoso: estou na contramão! Transgrido regras da beleza, da estética, do bom gosto. Pergunto: o que é que tem? Nada. Nunca fui miss, nunca fui modelo, nem sigo moda, tranquilo? Então tá tudo bem: sem compromisso com a beleza, nem com ninguém!
 
Contra mim, até os “Incríveis”! Na década de 60 cantaram sobre um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones “... cabelos longos não usa  mais...”. Poxa, até um garoto? E eu que há muiiiito não sou mais uma garota... Mas, deixa pra lá. Lá na canção, o assunto era outro... Ah, convenções! Algumas são muito chatas! Já cortei meu cabelo de todo jeito,  repicado, picotado, desfiado,  perfilado...  Pra quê? Pra saber se ia gostar. Não gostei. E se me derem licença, pretendo usar comprido. Será que posso? Mesmo porque, minha filha me disse: “De cabelo curto cê não parece minha mãe”. Taí, de repente pode ser isso: eu quero parecer mãe da minha filha...
 
Tive uma amiga que viveu esse martírio existencial: “Quando fizer 30 vou cortar.”. “Tem certeza?”. “Não, mas dizem que é  ridículo ...”. Que me desculpe minha amiga, mas o que não fica bem é pensar pelos outros. Mas, enfim, cada cabelo, uma sentença... Aos 30, não deu outra: lá se foi a pobre pro “Tochic Salão” cortar as ruivas madeixas. Levou uns trocos pelos quase dois palmos bem tosadinhos e a frustração da nabuquice. Aiai!
 
Em 80, me apaixonei pela ousada trança grisalha da argentina Emília Ferreiro. Tracei meus planos: virar uma velhinha de tranças. Ainda quero. Pra não dizer que não sou versátil, pode ser também um coquinho enrolado no alto da cabeça. Aliás, o coquinho  é joia! Meu neto há de me achar com cara de vó, não é  bom? As avós de hoje são mais fashions que as próprias filhas. Minto? Vovós de antigamente, cadê vocês? Coquinho na cabeça, oclinho na ponta do nariz, cachecol, agulhas de tricô e cadeira de balanço... Sinceramente? Até no teatrinho da escola tá difícil resgatar as doces anciãs. Ninguém entende nada...

Fazendo as pazes, nada contra quem aprova ou segue as convenções. Cada um que encontre seu jeito de ser feliz. O que vale é não fazer só porque ditam, ou só pra contrariar... Ser do jeito que nos deixa bem. Não seria o mais lógico? Cabelos longos aos cem!. O quê que tem? (rimou). Bom, mas dizem também — e isto não é convenção — que a vida é dinâmica, e só os idiotas não mudam de ideia. A verdade que se prega hoje, pode ser a mentira de amanhã. Quem sabe eu não acorde com vontade de me ver  com outra cara e aí... “Tochic Salão”! Só não será pelo fato de eu ter 54... Ah,  isso não! Seria ridículo...