Aono-Domon, o túnel da esperança - 1ª parte

A história que se segue é verdadeira. No ano de 1723, na localidade de Edo, antiga Tókio, em um dia de outono, na residência de um poderoso senhor feudal chamado Saburobei Nakagawa, aconteceu um fato terrível e sangrento. Naquele tempo, o sistema de governo no Japão era um feudalismo centralizado na capital e os senhores feudais precisavam cumprir periódicamente uma permanência de um ano junto ao "Shogum", presidente da autocracia, em demonstração de fidelidade e obediência. Saburobei já cumprira essa obrigação por várias vezes e até construira uma casa de luxo na rua Tawara, de Assakusa, assim como outros senhores feudais o fizeram, segundo o regulamento do governo central. Essa casa tinha bastante utilidade e funcionava como uma agência ou consulado, no sistema atual.

Ele tinha esposa e um filho herdeiro de 3 anos, chamado Jitsunossuke, que moravam em um castelo ao norte do país. Quando Saburobei estava com a família, precisava deixar em sua casa da capital um administrador, vassalos, samurais e servos para cuidar da sua propriedade e dos seus interêsses. Ele tinha também uma amante que morava nessa casa, chamada Oyumi, que ficava confiada aos seus subordinados na sua ausência, até o próximo período de plantão.

Depois de alguns anos, ao chegar à cidade para mais um período, o senhor feudal Saburobei inteirou-se de que a sua amante Oyumi o havia traído com um dos seus vassalos mais leais, de nome Ichikuro. Saburobei encheu-se de cólera e mandou-o vir à sua presença, em uma sala separada, nos fundos da casa, para decidir a melhor forma de liquidar esse caso imediatamente. Ichikuro compareceu prontamente, prostrando-se profunda e respeitosamente sobre um "tatame" de palha, diante do seu senhor. O senhor feudal repreendeu severa e violentamente Ichikuro, mas este se mantinha estático, sem nada responder, mantendo o corpo em silenciosa inclinação, aparando-se com os dois braços.

Súbito, Saburobei, perdendo a paciência e a razão, sem nenhum aviso, desferiu um violento golpe de espada, visando a cabeça de Ichikuro. Nesse momento de perigo extremo, Ichikuro escapou do ataque mortal, defendendo-se como pôde com um candelabro, que foi a única coisa que a sua mão desesperada alcançou. Mesmo assim, a sua face esquerda foi ferida pela ponta da espada. Ichikuro não era uma pessoa relutante e desobediente. Ao contrário, ele estava sofrendo muito, atormentado pela consciência pesada. Mas, apesar de toda a sua culpa, instintivamente ele sentia vontade de viver. Saburobei, furioso, desferiu então sucessivos ataques violentos de espada, tentando liquidar com o seu servo, forçando-o a tomar uma atitude defensiva, que foi se avolumando e quebrando aos poucos a hierarquia entre senhor e servo. Seu sentimento de homem ferido começou a dominar, até que esse limite se rompeu, devido à ameaça do seu senhor, chegando a luta à um momento crítico e decisivo. Saburobei, aumentando o ímpeto dos seus ataques, visando o último golpe mortal sobre Ichikuro, encurralou-o em um canto do aposento. O último golpe do senhor feudal atingiu apenas um esteio de madeira da casa, mas seu oponente, em reação fulminante, desferiu-lhe um golpe mortal no peito, com a sua espada curta.

Após o desfecho da luta violenta, Ichikuro quase desmaiou com a excitação excessiva e exaustão extrema mas, recuperando a consciência, começou a tremer de medo, de arrependimento e de espanto, reconhecendo a violência do grave crime que cometera, ao assassinar o seu senhor. Era o crime mais grave que podia haver e, imediatamente, sem hesitação, ele preparou-se para praticar o "hara-kiri", pois nunca havia cometido nenhuma maldade em sua vida ainda jovem.

(continua)

Humberto DF
Enviado por Humberto DF em 22/04/2007
Reeditado em 27/04/2007
Código do texto: T459526