Quem comeu o meu pudim?
Quando eu era menina, e pobre de marré de marré, lembro-me de sempre as coisas boas serem regradas. O pudim só podia ser cortado por meu pai, depois um pedaço para cada um – família de seis. O que sobrava, porque tinha que sobrar, ía à geladeira, mas havia um controle de quem comia sem pedir, ou comia fora da hora determinada.
– Quem comeu do pudim?
– Mãe, a Joi está comendo do pudim!
Parecia que a vontade de comer pudim nunca estava saciada...E que culpa sentia porque dissimulava o flagrante.
O tempo passou. Até ontem, achei que a história do pudim estava resolvida e havia ficado no passado mais-que-perfeito. Porém um botão clicou, e o conto que estava sem ponto, continuou.
Da sala ao lado, escutei algo, dito meio surdo:
– Não é para comer do pudim, ele tem dono!
Isso me incomodou. Fiquei aborrecida. Ouvi a voz do passado acrescido de egoísmo. E aí cheguei a conclusão de que o determinismo se aplica, e que mesmo sufocado, instantaneamente, ele pode se revelar.
De imediato, deu-me uma vontade de ir à cozinha e fazer uns cinco pudins para que cada pessoa da casa tivesse um para chamar de seu. Mas, relaxei os músculos e deixei a raiva descansar.
De cabeça fria, senti remorso tanto por quem foi negado de saborear o pudim, como pelo algoz que não permitiu a delícia. Tal sentimento decorreu, devido à analise que fiz dos 30 anos, que, inconscientemente, posso ter repassado resquícios de um legado de miséria.
É incrível, me dei conta de que ainda há, ao meu redor, espaço para o só MEU, ou só DELE, ainda que haja muito leite condensado e ovos para fazer quantos pudins aguente comer.