O PARAÍSO QUE VIROU PURGATÓRIO...

Tem um ditado que diz: tudo que é bom dura pouco. Pois bem... Como já havia colocado, trabalho, desde 2008, só com mulheres. Elas já fazem parte do meu universo profissional e embora eu não “queira” ouvir certas conversas, muitas vezes, isso se torna impossível, mesmo que eu faça ouvido de mercador.

E foi ouvindo (claro, sem estar com o ouvido de mercador) uma dessas conversas que eu fiquei sabendo que três delas iam passar três dias em Natal, hospedadas no Imirá Plaza Hotel. Bem, quando isso acontece, o clima da sala se transforma. São compras pra tudo que é lado, agendamentos para banhos de lua, fazer cabelos, unhas e até depilação a laser. Teve até uma delas que contratou uma manicure de Fortaleza/CE, para dar um destaque todo especial em suas unhas, deixando-as exclusivas para o momento. Uma outra começou uma dieta – em caráter de urgência urgentíssima –, já que o vestido vermelho que tinha mandado fazer, com exclusividade, na capital alencarina, está dois números menor do que o manequim que ela ora veste. Mas, sabe como é mulher, quando quer uma coisa, ela vai até o extremo para conseguir. Isso sem falar nos sapatos tipo scarpin, as bolsas Louis Vuitton, compradas em dez exorbitantes prestações, necessaires personalizadas – cada uma delas para um item: maquiagem, acessórios, perfumes, etc., tudo dentro de malas Sestini.

Tudo providenciado, hora de saída marcada, ouvi quando uma delas disse, expressamente, ao motorista da condução, que ligasse o ar duas horas antes a fim de que, no exato momento em que ela fosse entrar no carro, o ambiente não estivesse a uma temperatura superior a 18 graus.

Segundo me falou o motorista, durante a viagem, ele ouviu de tudo. Uma dizia: “Finalmente eu vou ter os meus três dias de princesa”; a outra dizia: “Espero que o evento esteja à altura da minha presença”; e a outra completava: “O paraíso me aguarda!”. Mas, gente, tudo tem um motivo: elas haviam recebido um e-mail da coordenadora do encontro que dizia: “Estejam lindas e chiques. Arrasem!”.

E assim foi. Quando chegaram à capital e o motorista – que a essa altura já não conseguia nem conter o tremor do queixo de tanto frio que fazia dentro desse carro (imagine quase seis horas de ar ligado em 18 graus!) – parou o carro no hall do hotel, e uma delas, ao descer, olhou para ele, de nariz empinado e falou: “Dê licença. A partir de agora vou viver só de mordomias. Tchau! Te conheço?!”. A outra nem olhou para o humilde motorista, que a esta altura do campeonato só fazia abrir (quando uma descia) e fechar a porta do transporte, para o ar não esquentar – para quem ainda estava dentro do carro – com a temperatura ambiente.

Quando a última desceu, o motorista "se recolheu à sua insignificância" e voltou para se hospedar na Casa do Professor. Infelizmente, ele não viu o caos que estava o hall do hotel. Eram mais de 580 príncipes e princesas que ficaram aglomerados, em filas, esperando a sua vez de fazerem o check in. O barulho era ensurdecedor. Algumas “princesas” suavam, choravam e passavam mal e eram atendidas pelas próprias colegas, devido à demora para serem encaminhadas aos seus apartamentos. O pior é que, da totalidade de príncipes e princesas relacionados, apenas 300 tinham reservas garantidas. As nossas princesas, quando viram tudo aquilo, olharam umas para as outras e perceberam que o paraíso não parecia ser ali. Mesmo assim, elas continuaram na fila, batizada, numa enquete, de “Fila de Geraldo Melo”, numa clara alusão aos tempos em que, para receber seus proventos, os funcionários públicos estaduais eram obrigados a entrarem numa fila quilométrica e passarem mais de cinco horas para, finalmente, terem o prazer de botar as mãos no suado dinheirinho do mês.

E o Paraíso, à medida que o tempo foi passando, foi virando purgatório e, já quase à meia-noite (e elas na fila), estava começando a querer virar inferno mesmo. Bem, só não virou a Casa do Capeta porque uma delas – nessa altura do campeonato, toda descabelada, morrendo de sede e fome – princesa não come xilitos –, doida para ir ao trono (só para se ter uma ideia, interditaram elevadores e banheiros), lembrou-se de um detalhe (que poderia ser a solução para o problema) e repassou para suas amigas: “gente, vamos embora para a Casa do Professor? Lembrem-se: toda princesa desencanta à meia-noite e vira Gata Borralheira!”.

Segundo registraram, foi uma correria danada neste momento. Uma pegou as malas, outra correu para pegar um táxi e a outra – de tanto ficar em pé na fila – só tinha ânimo para se lamentar: Oh céus, oh vida!

Mas dizem que desgraça não vem só. Assim, quando elas chegaram à Casa do Professor, não tinha mais vagas (outras princesas não esperaram tanto e já tinham se “arranchado”) e, para que elas não dormissem ao relento, a direção conseguiu um quartinho de apoio, na ala masculina, até o dia raiar.

Mas, o bom ainda estava por vir. No outro dia, logo cedo, a ala masculina levantou-se. Os homens foram se preparar para o dia de labuta e, com isso, as nossas princesas se viram obrigadas a ficarem enclausuradas – sem poderem sair – até que os quatro quartos (que cabem cerca de 30 pessoas) estivessem totalmente vazios. Outro sufoco! Teve uma delas que, não aguentando mais, disse: “gente, estou doida para chegar em casa...”. A outra, que estava se maldizendo das câimbras que estava sentindo nas pernas (além de ficar por mais de 8 horas na fila, ainda por cima usava, na ocasião, uma sandália Anabela salto 12), perguntou: Pra quê? No que a primeira respondeu: “para chorar...”.

Depois que elas conseguiram sair da ala masculina, seguiram para a ala feminina, tomaram um banho, ligaram para o desprezado motorista (que a essa altura do campeonato era a pessoa mais importante do mundo para elas) e pediram para ele vir pegá-las na Casa do Professor. O interessante é que elas, depois de tantos contratempos, nem se tocaram que acabaram todos se hospedando no mesmo lugar, inclusive o motorista. Depois ficaram sabendo que ele já estava dormindo o sono dos justos, num quarto vizinho ao delas, na hora em que elas chegaram por lá.

É claro que o profissional do volante, discretíssimo, não fez nenhuma pergunta mas, disfarçadamente, desligou o ar do veículo e apenas acionou o ventilador do mesmo. Na volta para a cidade natal, só se ouviam os suspiros. Esporadicamente, uma delas soprava brandamente e dizia ao mesmo tempo: felicidade de pobre dura pouco...




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Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 15/12/2013
Reeditado em 14/10/2020
Código do texto: T4612800
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