A florzinha valente

A chuva da noite castigou a terra. Relâmpagos rasgaram o céu, e trovões retumbaram com força. Açoitadas pelo vento algumas árvores quedaram ao solo, deixando suas raízes expostas. Plantas e flores foram carregadas pelas enxurradas. Galhos se partiram causando a morte de várias espécies de aves. Sobretudo filhotes. Uma florzinha vermelha viu aterrorizada suas companheiras sumirem nas águas turvas. O medo à fez se encolher sobre si e torcer para que a chuva passasse. Nascera há tão pouco tempo, e corria o risco de não assistir ao nascer do dia seguinte. Durante algumas horas ela chorou a sua sorte, esperando tristemente a sua vez de partir. Para não continuar testemunhando o extermínio ao seu redor ela fechou os olhos.                                                 Começou então a se recordar dos momentos vividos. Lembrou-se de como era bonito o nascer do sol, e do calor agradável que dele se desprendia a aquecendo, enxugando as gotas de orvalho. Recordou o trinar dos pássaros festejando o amanhecer. Da algazarra que faziam voando de uma árvore para outra. Só se aquietando quando a manhã já estava no fim, para começarem a se agitar novamente no cair da tarde. Sorriu ao pensar no amigo beija-flor que por ela se enamorara, e que costumava visita-la todos os dias para elogiar sua beleza, mas que acabou desistindo de cortejá-la por ser incapaz de ser fiel em sua admiração e não conseguir ficar muito tempo no mesmo lugar. Onde estaria ele nessa noite chuvosa? Teria sobrevivido?                                                            A madrugada foi passando devagar, e a florzinha trêmula de frio continuou com seus devaneios. Das lembranças, que, aliás, eram poucas, ela passou a fantasiar. Imaginou que era uma árvore frondosa, em cujos galhos pássaros coloridos faziam seus ninhos. Riu ao imaginar o vento fustigando suas folhas tentando arrancá-las, mas passando a diante, não conseguindo o seu intento. Chegou a sentir a chuva formando um pequeno riacho na tentativa de arrastá-la, e batendo em retirada enfurecida, ao constatar que ela, a árvore estava muito bem enraizada.                                                     Na imaginação a frágil florzinha foi árvore, pássaro, mico e em todas essas formas ela venceu a tempestade. Imaginou até que era humana, e que estava abrigada numa casa sólida e quente.                                                     Um toque suave a despertou, e ao abrir os olhos à florzinha percebeu que amanhecera e a chuva passara. O sol brilhava majestoso. Seus raios passeando pelo que restara do jardim. Feliz por ter sobrevivido à florzinha olhou ao redor para descobrir quem a despertara. Notou o beija-flor a olhando aliviado. Penalizada ela percebeu que o amigo também sofrera com a tempestade. Perdera metade das suas penas, e um dos olhos estava vazado. Quis dizer palavras de consolo, mas viu que também estava sendo analisada. Olhou para si e descobriu que tivera todas as pétalas arrancadas. Toda a sua beleza fora embora com a chuva. Um soluço a sacudiu, mas ao notar um imenso carinho na expressão do amigo, ela sorriu satisfeita. O importante é que estavam vivos e ainda tinham um ao outro. A aparência era apenas um detalhe.   Vânia Lopes