ESTAÇÃO: ANO NOVO

Por que desejar feliz ano novo, se todos os anos são iguais? As mesmas pessoas, os mesmos problemas e nenhuma esperança de dias melhores? Mudarão as políticas de bem estar? Quais? E os afetos entre as pessoas, quem poderá garantir que será melhor?

Fim de ano e as coisas indo de vento em polpa. Enquanto se pensa em comprar aquela roupa branca para romper o ano em pedido de paz, ou verde na representação da esperança, ou mesmo de amarelo com a finalidade de atrair dinheiro, o presídio superlotado é escavado, foge mais um bandido não recuperado e mais perigo rondando a vida daqueles que já planejaram ir ao show na praia enquanto sua casa ficará sozinha, a mercê da generosidade da bandidagem, senão eles também irão a festa e adeus celular, carteira, relógio, roupa nova independente de cor. Independente de cor, os corpos continuam a cair, mais um, mais vários e velas e caixões, e anonimato e mato ou morro e morro ou mato e nada de segurança ao cidadão.

O ano termina com a caridade alheia. O que não se fez ao longo dos dias, uma noite tida como mágica tornou pessoas mais sensíveis: pão, sopa, brinquedos, afetos foram distribuídos, naquele momento, e os demais momentos continuarão de desabrigo, sede, fome, esmola e caridade. Talvez aqueles carentes e caridosos se encontrem na passagem do ano, mas a oportunidade, a roupa nova, o romper da noite, o brinde os tornem distantes, porque a motivação agora é outra. Cheiro e catinga não se atraem, já fiz minha parte, agora é com o Estado, e um estado de culpa e coisas banais é instaurado no meio social. O ano feliz é para aqueles que podem contar com a sorte, já outros, que continuem necessitados da caridade e gestos de bondade alheios.

Desejar feliz ano novo para um ano de seca que se passou e tanta morte deixou, em especial ao homem do campo nordestino. Que tino se tem para o sofrimento e quais foram mesmo as políticas efetivas que foram sancionadas para que numa outra seca o gado, a gente, a terra não morram mais, alguém sabe dizer? Eu não. Talvez a culpa seja minha por não saber: não leio jornal, não assisto a noticiário, não sou filiado a partido, não corro atrás de político, não sou membro de associação de bairro ou pastoral... Desculpem-me se puder, sou um ignorante, não deixei que a informação chegasse até mim, passei o ano inteiro ocupado com outras coisas mais interessante. Mas interessante é a cara de pau dos políticos em prestações de contas e votos de felicidades. Felicidade por quê? Porque ganhei um presente de alguém, uma esmola de outro e sobrevivi e estou hoje contando a história?

Desejar feliz ano novo, num fim de ano e começo de outro em que a chuva está, em alguns lugares, alagando casas, derrubando residências, enxurrando vidas para debaixo de escombros é meio bizarro, senão fora de ordem ou de sentimento. E seres humanos agora alojados por aí, sem qualquer privacidade ou identidade, alheio a caridade dos outros. Dormindo nos solos das escolas, trancafiados em templos religiosos, em galpões improvisados, sem qualquer promessa mais consistente porque todo início de ano passamos pelos mesmos apelos e somos frágeis diante de situações que envolvem problemas naturais, meteorológicos, enfim, por que mesmo desejar FELIZ ANO NOVO?

Porque não custa nada, não é mesmo! Tornou-se um ato mecânico. De repente se ensaia um sorriso, de posiciona a mão, quando não, programa-se uma mensagem via máquina, até mais fácil, chega a várias pessoas ao mesmo tempo, ao mesmo tempo em que se descasca uma banana e, pronto, o perfume já foi escolhido, entrarei o novo ano com esse cheiro, mas qual cheiro mesmo? Não sei, foi sugestão...

Meu cheiro é o cheiro do descaso do poder público que passou o ano inteiro negando meus direitos, sem investimento na saúde, educação, mas agora pode estourar em fogos de artifícios para saudar o novo ano, armar palanques em vários locais da cidade e estourar dinheiro em caches superfaturados porque assim, esquecemos a realidade e no mundo do sonho tudo é divino e maravilhoso! É a vontade de Deus, porque Deus quis que assim fosse... Pão e circo para todos.

Como sugestão, na espera desse ano novo que para mim ainda não chegou, espero que o homem possa ser humano, que a vida seja menos sonho e mais realidade, que os direitos humanos realmente sejam direitos e que a igualdade venha para todos, independente de cor, raça, condição social, orientação sexual, credo,enfim, que as minorias passem a ser respeitadas sem que seja necessário um dia especial e que o Natal deixe de ser para o comércio e para as igrejas dia de consumo e troca de presentes...

Aí sim, sem nenhum dente na boca, cheio de remelas nos olhos e a voz trêmula e o corpo cansado, poderei dizer: FELIZ SEJA VOCÊ NESSE ANO QUE SE INICIA...