UM ‘BOM LUGAR’

Uma das histórias que os adultos da minha infância, nos anos 1990, (me) fizeram crer foi que estudo, conhecimento e cultura nos levariam a ocupar um bom lugar. Um bom lugar na sociedade. Um lugar onde haveria respeito, respaldo. A partir de então, agarrados nessa crença, eu e alguns dos que conheço galgaram pacientemente os degraus livrescos e os ditames tão questionáveis do sistema escolar, na certeza de que, um dia, o ‘bom lugar’ nos estaria reservado.

Na fase adulta, porém, ao curiosamente nos prestarmos a vasculhar a vida, as inverdades que nos disseram na infância vêm à tona: não se dorme 100 anos e se desperta com a beleza dos 20, nenhuma fada, gênio da lâmpada ou príncipe nos salvam das intempéries, ninguém nos bate à porta a fim de salvar-nos e estudar, se formar, também não nos garante nada.

Até pode ser que os adultos da minha (nossa) infância nos tenham orientado com base em outra sociedade (sem prever que as mentalidades não são estáticas): a de seu tempo, a de outro país, da Grécia, dos Estados Unidos, ou mesmo a sociedade dos seus sonhos. Pode ser também que, a cultura, algum dia, em algum plano, fosse motivo para se respaldar e respeitar alguém.

O cair da cama mais brusco acontece quando intelectuais veem jogadores de futebol, fanfarrões com qualquer cargo público chinfrim e políticos incompetentes chafurdando no dinheiro e sendo respeitados com se de fato houvesse grandeza no que acrescentam (?) à sociedade.

Aí vejo meu amigo que larga os estudos e abre um comércio. Melhor, né¿ O ‘bom lugar’, afinal, deve ser aquele que permite que compremos como se não houvesse amanhã. E vendamos! Vendamos até podermos comprar. (Não que o comércio não tenha sua demanda, mas suspeito – apenas suspeito- que não seja o principal...)

Sociedade brasileira, por que foges dos ’Herbalaifes’, dos ‘TelequisFrí’, se o esquema de pirâmide já está em seu próprio modus vivendi, criatura!? O teu sonho já é o camarote, a bebida que pisca e a calça de mais de 300 reais! Porque, claro, não existe outro ‘bom lugar’. O ‘bom lugar’ é esse que nos distrai do conhecimento, da lucidez de pensamento, dos valores humanos, da cultura e do amor verdadeiro.

Eu, assim como muitos que conheço, estou perdida. Caí nesse conto de que estudar era um bom negócio e quando dei por mim já tinha acumulado formações, trabalhos, experiências e estava totalmente refém de um fluxo de pensamento crítico e de um intercâmbio de conhecimento com os demais. Estava em algum lugar. Estou. E daqui vejo transcendência. Tenho vista panorâmica pra vários assuntos e perspectivas.

Mas este cá de onde falo, lá não deve ser o ‘bom lugar’! Porque daqui, a calça de mais de 300 reais é um sonho muito aquém de ter um PhD ou um amor bom. Coisas bobas. Contudo, aos que se encontram no tal lugar dito ‘bom’, não se esqueçam: hoje é dia de pagar mais uma prestação do Reveillon 2009. 2009!

Juliana Santiago
Enviado por Juliana Santiago em 27/12/2013
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