Adeus Ano Novo

Última noite do ano. No relógio já é quase meia-noite. Fogos de artifício explodem por todos os lados, e a cachorrada não para de latir. Os meus vizinhos estão fazendo uma zona dos diabos, com o som no último volume. O mundo inteiro é uma mistura de latido, bomba e música brega. Porra de bagunça dos infernos.

Enquanto a maioria por aí está com sua champagne na mão, esperando “a hora da virada”, eu tenho entre meus dedos um copo cheirando a cachaça, e o litro entre os meus pés já está pra baixo do meio. Na TV está passando um show de merda com uns cantorzinhos de merda. Ainda bem que a balbúrdia lá de fora quase não me deixa ouvir nada que sai do aparelho. Minha bunda tá doendo de tanto ficar aqui sentado nesse sofá caindo aos pedaços. Sinal de que a pinga ainda não foi o suficiente. Eu queria beber pra apagar, cair duro aqui no chão e me esquecer do mundo. Só acordar amanhã, com a boca amargando, o sol a pino e eu procurando o resto de cachaça no fundo do litro que rolou pro canto da sala.

Mas por enquanto eu tenho que ficar aturando essa babaquice toda. Pra que comemorar passagem de ano? A vida continua a mesma, no começo de janeiro é a mesma bosta de vida que era no fim de dezembro. A única coisa que muda é a folhinha pendurada atrás da porta. Se bem que nem folhinha eu tenho. Passo os olhos pelos dois cômodos daquela tapera onde moro e percebo: eu não tenho é merda nenhuma. Nunca tive e acho que nunca vou ter. Porque eu não passo de um bosta, eu nasci foi pra viver no meio do lixo, dividindo o esgoto com os ratos. E eu não mereço mesmo coisa melhor. De repente um tiro de rojão parece estourar dentro da sala, levo um baita susto. Levanto do sofá e arremesso o copo contra a janela. Vai tomar no cu, seus filhos da puta!

E ouço as pessoas fazendo a contagem regressiva: oito, sete – Ah, desgraça! E eu achando que nessa hora eu estaria dormindo completamente bêbado, agora aquele salame que eu comi no boteco do Armando tá revirando no meu estômago – seis, cinco, quatro – caralho, acho que vou vomitar – três, dois, um! Estouram-se as champagnes, no mesmo instante em que lavo o chão da sala com meu vômito. Pedaços de salame misturados com o álcool que não me derrubou. E lá fora escuto gritos, risos, felicitações. “Feliz ano novo”! Vai todo mundo pra puta que pariu!

Escuto um toque de celular. Respiro fundo, me sinto um pouco melhor, mas a cabeça está doendo. Novo toque. Lembro que eu tenho um celular. Até um fodido como eu hoje em dia tem um celular. E alguém está me ligando. Onde eu enfiei esse maldito? Outro toque. Vejo-o então sobre a mesinha, ao lado da TV. Difícil vai ser chegar até lá. Tomo um impulso, respiro fundo e o mundo começa a rodar em volta de mim. Dou um passo pra frente, me desequilibro e então preciso me segurar para não cair de bunda sobre o meu próprio vômito. O celular toca. Atendo. É minha ex-mulher.

_Nico!

O que será que deu nessa doida pra me ligar justamente nessa hora?

_ Já passou cinco dias e você ainda não depositou a pensão do seu filho. Tá pensando o quê, seu desgraçado? Eu vou te meter em cana, seu filho da pu...

Desligo. Tinha certeza, boa coisa não era.

Volto-me para o sofá, e vejo uma barata se rastejando na poça do meu vômito. Naquele momento me lembro de um livro que eu li quando era moleque, quando eu ainda tinha a intenção de ser alguém na vida, o livro que contava a história do cara que virou uma barata. E aquilo fez todo o sentido pra mim: aquela barata era eu, e eu estava me rastejando no vômito do mundo.

E de dentro da poça, imerso no vômito cheirando a cachaça, a única coisa que eu podia ver eram os fogos de artifício riscando o breu do céu...