Aono-Domon, o túnel da esperança - 4ª parte

Porém o apoio e a colaboração do povo enfraqueceu em breve, transformando-se em dúvidas e desespero, ao encontrarem uma rocha enorme no caminho do túnel, dura como ferro, barrando-lhes a continuação do trabalho. Continuaram somente por mais um ano, com uma progressão muita lenta do trabalho, se comparado com o esperançoso plano inicial imaginado. "Nós fomos enganados por aquele monge maluco ! A realização de um túnel dentro dessa formidável montanha é completamente impossível, mesmo que multipliquemos os esforços !" Assim disseram todos, e em seguida abandonaram o trabalho esquecendo-se do monge maluco. Por fim, o monge Ryokai, exausto e magro ficou novamente sozinho dentro da gruta escura. Mas, apesar de todos os seus companheiros terem debandado e abandonado a tarefa, ele não se abalou nem um pouco e continuou trabalhando com ardente devoção.

A sua existência dentro da gruta foi gradualmente esquecida pelos aldeões. Eventualmente, quando alguém se lembrava dele, ia até o local espiar seus movimentos naquela escuridão, ainda duvidando do resultado do seu trabalho. Escutava-se apenas o eco incessante da marreta de Ryokai contra a rocha. Mais alguns anos se passaram e o monge e as pessoas se esqueceram mutuamente. A única realidade para Ryokai era aquela rocha colossal que ele enfrentava com toda a força da sua concentração. A sua figura não era mais a de um homem desse mundo. Ele estava em pele e osso, com os olhos fundos e a pele descorada. O frágil monge era o resultado daquele trabalho árduo e contínuo de mais de 13 anos. Por vezes ele permanecia sentado em rochas duras e frias, dentro da gruta, por horas e horas. A sua única alegria e satisfação era ver despedaçar mais um fragmento de rocha, como resultado de cada pancada concentrada da marreta.

E o tempo continuou passando ... Alguns aldeões, lembrando-se de Ryokai, foram vê-lo na gruta e descobriram com espanto o resultado do seu trabalho, que mostrava 120 metros de profundidade escavados na montanha. Isso despertou novamente a esperança do povo e junto com ela ressurgiu a confiança e o respeito por Ryokai, cada vez mais debilitado. Os aldeões sentiram-se envergonhados da sua indiferença por anos a fio e pela sua ignorância. Resolveram ajudá-lo mais uma vez e o eco animado das marretas voltou a soar de dentro do túnel. Foram abertos também alguns buracos na parte lateral, para iluminação e ventilação. Porém, depois de um ano, o monge Ryokai ficou sozinho novamente. Os camponeses dessa região levavam uma vida muito difícil e eram muito pobres. Para sustentar as suas famílias, não podiam abandonar o seu trabalho na lavoura. Assim, todos os colaboradores, um por um, foram abandonando o trabalho. Restou apenas um único eco, da marreta viva que ficou sozinha, jogada na gruta úmida, fria e escura, durante dias e noites.

No espírito concentrado de Ryokai, não se encontrava nada das coisas passadas e futuras. Ele estava focado unicamente na realização constante e na aplicação máxima de toda a sua capacidade no agora, no momento presente. A decisão absoluta, a vontade ardente e o amor veemente de Ryokai superaram a resistência da enorme rocha. Cada pancada da marreta era a vida inteira de Ryokai, que depois de 18 anos de espantoso trabalho, conseguiu chegar à metade da realização da obra do túnel.

Os habitantes das aldeias da região do rio Yamakuni sentiram o grande impacto das pancadas daquela marreta divina, que conseguiu chegar a um resultado extraordinário e ao mesmo tempo milagroso da perseverança do monge Ryokai. Agora, ninguém mais duvidava da realização da obra. Todas as pessoas se levantaram e passaram a colaborar novamente na escavação do túnel. Mesmo o governo local também promoveu esforços para a sua conclusão. Desse momento em diante, a obra começou a adiantar rapidamente, como fogo que se alastra no capim seco em um campo. Os aldeões insistiam para que o monge Ryokai, em estado muito enfraquecido e dolorido, repousasse para se recuperar, mas ele recusava-se, obstinadamente. Esse pedido tinha uma razão, Ryokai estava muito enfraquecido, os seus joelhos estavam perdendo a capacidade de articulação e ele já quase não podia andar, como consequência do seu trabalho no fundo daquela gruta escura. A sua visão também estava muito enfraquecida por causa da falta de luminosidade e dos ferimentos causados pelos estilhaços de rocha. Ele não tinha nenhum apego à sua própria vida, mas sabia que não podia morrer antes da conclusão da obra. "Mais dois anos de perseverança", dizia para si mesmo e continuava o seu trabalho.

Foi então que, para extinguir a sua vida, que era uma frágil chama de vela diante do sopro do vento, apareceu-lhe um inimigo derradeiro e decisivo. Esse perigo era, incomparavelmente, muito mais grave do que o enfraquecimento do seu corpo.

(continua)

Humberto DF
Enviado por Humberto DF em 25/04/2007
Reeditado em 27/04/2007
Código do texto: T463174