A salvação de Suellen

Suellen acordou no meio da noite suando frio, principalmente nas nádegas e axilas, que ensoparam seu lençol de ponta a ponta. Tentou dormir de novo, mas não conseguiu. Então foi à cozinha e tomou dez gotas de Rivotril, pois tinha que dormir, já era a terceira noite assim, de manhã estaria um bagaço se não dormisse.

No dia seguinte, no trabalho, seu patrão percebeu que alguma coisa não ia bem com ela. Observando-a do corredor, enquanto ela escrevia um relatório ou coisa parecida, viu que sua mão direita dava arrancos no papel, como se levasse choques elétricos. Ao lhe perguntar se precisava de ajuda, ela respondeu que não, que estava tudo bem, numa voz mecânica, sem vida, e suas pernas começaram a tremer, seus lábios se arroxearam – ela parecia estar à beira de um ataque de nervos –, e ele, simpático, atencioso, querendo ajudar, insistia em saber se realmente estava tudo bem, mas ela dizia que sim, que ele não se preocupasse.

No intervalo, durante o café, todos na mesa viram que ela realmente não estava bem. Seus olhos, ora giravam nas órbitas, subindo e descendo, ora iam de um lado para o outro, como um metrônomo, ora ficavam fixos, como olhos de peixe morto, olhando para o nada. O patrão vinha notando ela diferente nos últimos dias, como se lhe faltasse alguma coisa – às vezes, como se ela fosse outra pessoa! –; e, de repente, aquele ataque. “Suellen, o que foi?”, perguntou o patrão, preocupado com uma possível ação contra ele na Justiça do Trabalho e com a notícia que certamente o sindicato publicaria em seu jornal: “Funcionária da CEFEX tem ataque durante o trabalho devido a esforço repetitivo”, ou qualquer coisa assim.

Como ela não respondia, ele foi à mesa onde ela trabalhava, para ver se encontrava algum remédio – “Quem sabe ela é epilética ou coisa parecida”, pensou –, mas não encontrou nada, só as anotações que ela estava fazendo quando ele a observava do corredor. Viu que eram pequenas mensagens, como de celular, para amigos ou conhecidos, cheias de abreviaturas e erros de português.

O patrão voltou correndo para a sala do café e ouviu Suellen balbuciar, babando como um bebê desdentado: “Fei... fei... fei... fei...”. E ele descobriu o que estava faltando nela, o objeto cuja ausência o fez chegar a pensar que ela fosse outra pessoa: o celular. Ela estava sem celular havia mais ou menos cinco dias. E quando uma outra funcionária perguntou: “Fei o quê, Suellen?”, o patrão respondeu: “Facebook. Ela está tendo uma crise de abstinência. Vejam que ela está sem o celular, que era como se fosse um membro do seu corpo, lembram? No intervalo ela não conversava com ninguém, ficava o tempo todo no Facebook, curtindo postagens e escrevendo mensagens para seus amigos (ela estava fingindo fazer isso ali agora mesmo, numa folha de papel, só para se aliviar, mas pelo jeito não funcionou). Aposto que ela perdeu o celular e não conseguiu comprar um novo (fiquei sabendo que ela tem o nome sujo nas lojas que vendem celulares na cidade), não deve ter computador em casa, e aqui, como eu bloqueei o Facebook, ela não consegue alimentar seu vício (embora, em casos extremos assim, para aliviar, só com celular)”.

Suellen continuava balbuciando, enquanto cuspia saliva: “Fei, fei, fei...”, até que uma colega espirituosa acessou o Facebook do seu celular, com a senha de Suellen (que ela chutou e acertou), e deu para a moça, que tremia no chão, já quase desfalecida. Quando Suellen viu seu nome e sua foto na tela de abertura do Face, imediatamente parou de tremer e babar. Levantou lentamente a mão direita, pegou o celular, sorriu de alegria ao ver que tinha oitenta notificações e começou a clicar em uma por uma...

Suellen estava salva.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 03/01/2014
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