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Quando Menos Esperamos ...

Após um longo expediente naquela sexta-feira, chego na casa dos meus pais e vou logo conversar com a minha Mãe pra atualizar os acontecimentos do dia enquanto os meus três filhos ajeitam as mochilas pra voltar pra casa. Mas antes, o meu irmão mais velho aparece com uma fita de video K7 e diz que é o mais novo trabalho do Macaulay Culkin e uma nova atriz-mirim, Anna Chlumsky, no filme "My Girl" (Meu Primeiro Amor-1991). Ainda não teve tempo pra assistir mas, achou bacana a estória e quer muito que a gente assista ao 'special treat' primeiro. 
 
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"My Girl"? Hummm.... Pelo título sei que vou retroceder pra decada de ´60 e ouvir Smokey Robinson e Os Temptations cantando a mesma canção que dá o nome ao filme. Bacana! 

A fita é presente de um aluno que acaba de chegar dos EUA portanto não há legenda, nem dublagem. As crianças não importam. Desde sempre curtem os desenhos e filmes da Disney mesmo sem dublagem. Adoram assistir o que quer que seja e não prestam atenção na legenda. Vinnie tem quase seis e já lê gibis com um pouco de esforço. A Lú pega carona com o irmão e está no mesmo ritmo que ele. A Bia tem dois e meio e não precisa se preocupar por que tem irmãos mais velhos que contam estórias pra ela e ensinam qualquer coisa se ela pedir.  

Coloco a preciosa fita K7 na bolsa, chamo as crianças e lá vamos nós. São 17 horas e a viagem promete ser longa por que é sexta-feira e o transito está um caos como sempre.

Temos sorte e após uma hora e vinte minutos, chegamos no nosso bairro mas, antes de irmos pra casa, passamos na pizzaria, pedimos uma pizza gigante pra ser entregue por volta das 19:30. O caixa toma nota do pedido e nos agrante que a entrega será feita no horário solicitado. Que bom! Dá tempo de tomar banho, colocar o pijama e ajeitar um lugarzinho na sala pra vêr o filme do Tio Frank.

Chegamos em casa e num piscar dos olhos os três estão banhados, de pijama e no seu lugar predileto pra assistir ao filme. As vezes, nem eu acredito como esses três são ligeiro. Os mais velhos sempre ajudam a mais nova e assim as coisas andam rápido.

Muitas acham que três filhos dão muito trabalho. Confesso que não posso reclamar. Tendo três em casa tive que ser mais 'sargenta', principalmente com uma Avó que permitia tudo na minha ausência, ou não. O Avô já é um pouco brabo mas, com jeitinho acaba cedendo aos caprichos dos três. Mas, basta um olhar ou uma palavra minha que eles entendem. E como entendem!     

A fita roda no aparelho de video K7 e depois de uns quinze minutos a pizza chega pelando. Pausamos o filme pra atacar a pizza e deliciar a Coca-Cola geladinha. 

Voltamos ao filme mas, quando há alguma dúvida, dou uma pausada pra explicar certas situações por exemplo, a profissaõ do pai da Vada (Anna Chlumsky) que é diretor da sua própria agência funerário.  As crianças querem saber se no Brasil tem esse tipo de trabalho e respondo que tem mas, não assim como o trabalho do pai da Vada que tem sua empresa na própria casa. Assim seguimos em frente até que o Thomas J. (Macaulay Culkin) é picado por abelhas e ... morre.

 
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As crianças ficam anestesiadas com o ocorrido.
- "Como pode?"
- "Mãe, o garoto do 'Esqueceram De Mim' morreu!?"
- "Assim do nada!? Morreu!?"

 
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As meninas abrem um verdadeiro berreiro. O meu filho fica pálido e trêmulo. Mas, o pior está por vir.

O Thomas J. é levado justamente pra casa da Vada onde o seu pai tem o seu serviço funerário particular. Meus filhos estão boquiabertos e começam a chorar bem forte agora.

Sabe lá o que é ter três crianças chorando por dez minutos sem parar? Com direito a soluços e gritos de dor profunda? Paro o maldito filme e procuro acalmá-las. Custa mas consigo. Quando estão mais tranquilas começa o bombardeio de perguntas.

- Mãe, uma abelha tão pequenininha pode me matar?
- Só menino morre quando a abelha pica? 
- Mamãe, criancinha morre?
- A gente pode morrer qualquer hora mesmo sem tá doente?
- Vende caixão pra criança Mãe? 
- O Vovô e a Vovó também podem morrer assim do nada?

Maldita hora que peguei esse filme!

Respondo da melhor forma possível mas, a carinha de cada uma delas me deixa desnorteada. Nunca havia visto tanto pavor em toda minha vida no rosto de uma criança.

Isso que dá pegar um filme do seu irmão solteirão sem noção e acreditar na sinopse dele que é direcionada ao público adulto. Como fui acreditar que um marmanjo de trinta e dois anos, que ainda vive com os pais, pode indicar  um filme pra crianças? 

Fico sem saber se paro o filme ou não. Penso por alguns instantes e resolvo prosseguir. Do contrário poderia ser pior ... Sei lá. É a primeira vez que a morte bate á nossa porta e realmente não sei como agir.

Levo a turma toda pra dormir na minha cama mas, a noite custa a passar. É um pesadelo sem fim. Na manhã seguinte, nenhum comentário sobre o filme. Todo mundo quieto. Muito estranho na minha casa esse silêncio todo logo no sábado de manhã cedo quando os três acordam já querendo sair pra brincar no quintal no balanço que o Vovô Chico fez. 

Meu Pai chega depois do almoço e qual não é o espanto dele quando os três correm ao seu encontro e abraçam-no mais forte do que o normal. Meu pai pergunta o por quê de tantos abraços apertados se nem aniversário dele era. 

O meu filho diz sem rodeios:

- Vô, sabia que eu posso morrer qualquer hora? Que você pode? Minha Mãe também? 

O meu Pai me dá aquela olhada e responde:

- Sabia sim. Mas, quem morre primeiro é o mais velho. Sempre o mais velho primeiro, ouviu? Criança demora muito pra morrer. Só morre depois de bem velho.

Aí entra a Luíza:

- Que nada Vô! Criança morre também ... e antes dos pais. E antes dos avós também. 

A minha caçula, Bia, desaba no choro e implora:

- Vô, não morre, tá? Nem deixa a gente morrer tá? Nem a Vovó! Por favor Vô!

Meu Pai fica muito p%*# da vida e pergunta:

- Que estória é essa de eu morrer? Quem morreu? Quem inventou essa estória toda de morrer? Diga logo!

Os três acusam numa só voz o Tio Frank e seu filme. É preciso dizer quem vai pagar o pato? 
Calada Eu
Enviado por Calada Eu em 09/01/2014
Reeditado em 13/01/2014
Código do texto: T4642339
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