Chega de Saudade
 
                  

                               Outro dia senti minha alma fremir de angústia por não ver mais a paisagem do meu Rio Moleque. Espera aí, meus amigos e amigas, não sou disso. Vou retirar o verbo fremir (que eu nem conhecia). Fremir é para poetas, com suas imagens rocambolescas. Aliás, eu gosto de escrever o mais simples possível, quero que me entendam. Diria, então, que minha alma tremia de angústia.
                        E perguntarão atônitos os leitores: - “mas você não viveu na falecida cidade maravilhosa pelo menos uns cinquenta anos?” Afirmarei que sim, mas é aí que se esconde o detalhe. Quando eu estava no meu Rio de Janeiro eu próprio fazia parte da paisagem. E como tal não me sentia obrigado a olhar para a deslumbrante paisagem. Não sei se me entendem. Eu passava mil vezes por dia na praia de Botafogo e simplesmente não olhava para o Pão de Açucar, absorto nas minhas preocupações. Passava zunindo como um Pintacuda (corredor de automóvel do tempo do meu pai) pela Barra da Tijuca e não entrava na floresta da Tijuca, não passeava na Vista Chinesa, não via suas árvores, seus pássaros cantores.
                        Penso que esse é um mal que acomete todo carioca e até os mineiros e gaúchos que moram há muito tempo na cidade. Vou contar uma história que comprovará o que digo.
                        Um dia fui visitar meu amigo de infância Sylvio, lá nas Laranjeiras. E houve um tempo em que nas Laranjeiras só se tomava café Pelé. Como sabem os cariocas, a gente vai subindo a rua das Laranjeiras e acaba no Cosme Velho, quando ficamos a um pulo do Cristo Redentor.
                        Pois bem. Estou jantando com o Sylvio e sua família, constituída de esposa e duas filhas, quando o amigo resolve me mostrar pela décima vez o seu apartamento, vigésimo andar. Entro num quarto de hóspedes e vejo a janela fechada. Abro e tomo um baita susto. Quase que a mão direita do Cristo esbarra na minha cabeça, de tão perto estava a janela do Redentor. Viro-me para o Sylvio e falo do meu espanto. E ele, mais surpreso ainda, me pergunta: - “você está brincando? É o Cristo, mesmo?  Nunca tinha olhado pra cima”.  Como podem ver os amigos e amigas, o carioca esquece de apreciar suas belezas, tanto da natureza quanto as feitas pelo homem.
                        Estou escrevendo esta crônica como um alerta grave para os meus conterrâneos. Vejam o meu caso: só usando o verbo fremir. Estou fremindo de dor, de saudades. Dói-me ver o Rio só pelo retrato.
                        Quantas vezes varei o Rio de janeiro de ponta a ponta, das Laranjeiras até Santa Cruz. Zaranzei pelos subúrbios da Central e um pouco menos pelos subúrbios da Leopoldina. Nessas idas a Santa Cruz, ia pelo litoral e não olhava as praias.  
                        Hoje, tenho na tela do meu computador a baía da Guanabara com o Pão de Açucar ao fundo. É um reles consolo.
                        Claro que os leitores devem estar tentando uma explicação razoável para a denúncia que faço. Talvez eu tenha uma explicação. Culpo a bossa nova por isso. Tivemos poetas e cantores exaltando somente as garotas cariocas. Todos, sem exceção: Vinicius, Tom Jobim, Bôscoli, Menescau, João Gilberto. E esse feitiço da mulher explodiu com a música “Chega de Saudade”.
                        Os músicos que exaltaram a natureza eram muito antigos e foram logo  esquecidos, como Dick Farney, Dorival Caymmi, etc, etc.
                        Evidente, as mulheres devem permanecer no nosso visual, mas interagindo com a fulgurante beleza natural do Rio, merecidamente patrimônio da humanidade.
                        Mas há uma outra explicação. O carioca tem dificuldade em assumir a sua cidade. Todos os outros brasileiros são extremamente bairristas, adoram suas cidades, mesmo que isso seja uma mentira. Claro, não reprovo, meus patrícios estão certos no amor de suas terras.
                        Quanto a nós, cariocas,  provo o que estou dizendo. Vejam os Governadores que elegemos, sempre os piores. Nunca o povo do Rio votou em um bom Governador. Está aí a prova. Os outros brasileiros amam suas cidades e mentem com a sinceridade de um amante.
                        Só quem está de fora como eu pode enxergar essa problemática de fundo psicológico. E concluo dizendo que o carioca só será efetivamente feliz quando deixar a vergonha de lado (assustado com a beleza da cidade) e assumir de vez, escancarar  o seu amor pelo Rio de Janeiro.