Sentir... minha tragédia e minha bênção

Eu nasci para sentir. Quando o mundo interage comigo, meu corpo inteiro se manifesta. As células do meu organismo dançam como tons musicais de uma orquestra sinfônica. Por isso mesmo sou inconstante. Cada segundo me influencia de um jeito diferente, e meu cérebro entra em debates de qual sentimento deve prevalecer naquele momento. Às vezes até da curto-circuito. De tanto sentir, tem hora que fico dormente, meu corpo entra em choque, fecha para manutenção e só volta mais tarde, renovado 100%.

Lembro que, quando criança, eu não tinha freios por dentro e cuspia para fora de mim as sensações que me arrebatavam. Eu chorava com drama, no canto da sala, meu rosto traduzindo uma dor profunda. E ria como uma matraca, as bochechas inchadas, vermelhas, exaustas com os exercícios da minha gargalhada. Um presente, qualquer tipo que fosse, elevava minha alma até que eu me achasse a princesa mais sortuda do planeta.

Nesse ritmo, cresci como uma adolescente em chamas, a rebeldia fervendo no peito. Eu queria mudar os outros, mudar o mundo, e mudar quem sou, fazer tudo ser melhor, mais feliz e intenso. Minhas paixões eram absurdas, minha raiva latejava como um batuque infinito. Os desejos eram urgentes e sufocantes, seja por chocolate, por um toque, ou por uma razão boa para acordar cedo no domingo.

Meu sentir me faz amar e odiar o mundo, idolatrar e rejeitar pessoas. O pôr do sol me banha como poesia, e um dia ruim me contamina com cólera. Posso me divertir por horas com a mesma piada e me afogar em lágrimas com um filme triste. Leio livros como se eu vivesse neles, observo a paisagem com a admiração e curiosidade de quem vê o quadro original da Monalisa.

Mas dizem que maturidade é saber controlar instintos, calcular o que os outros podem ver e saber sobre você. Até a espontaneidade é recomendada como uma receita de bolo. De segunda ã sexta, o ideal é uma colher de sopa rasa. Sábado e domingo pode aumentar a dose para meia xícara. A mim, aconselham que eu cale a bagunça e a festa do meu corpo, que eu sinta menos, porque sentir é inimigo da produtividade e produtividade é a chave para o sucesso.

Eu até queria ser mais objetiva, ser científica com as interferências na minha vida em vez de filósofa-fajuta. Preferia não ter esses ecos na minha cabeça que repetem a briga de ontem, fazem o flashback do meu último beijo, e discursam sobre o sentido da vida e a necessidade constante de re-definir quem sou com a mesma teimosia de um camundongo correndo eufórico na sua rodinha ainda que isso não o leve a lugar algum.

Mas não sentir, para mim, é a morte. Sentir é como enxergo o universo de acontecimentos ao meu redor, e percebo meu coração pulsando. Nos dias em que não sinto, é porque desisto do mundo, mergulho para o nada, meus olhos perdem o brilho. Nesses dias, sou apenas uma sombra sem destino, esperando um choque que faça meu sangue circular de novo.

O que precisei aprender com os anos foi mascarar parcialmente minha alegria e meu sofrimento. Se o mundo não aguenta que eu exploda com o que sinto, eu implodo, deixo as emoções sacudindo por dentro. Não funciona o tempo todo, é verdade. Porque minha natureza é outra, sensível. Cada facada que recebo ainda sangra internamente, e minha felicidade triunfa com flores em primavera no meu peito. Quando a bagagem fica muito grande, transbordo, não tem jeito. Sentir profundamente como sinto é minha tragédia e minha bênção.