O reencontro e o tempo.

O dia teria que ser aquele. Como em tantos sábados dessa vida, aquele encontro teria que ocorrer em algum sábado de janeiro. Qual? Não importa. De preferência logo no início do mês, abrindo alas para um ano novo, com energias redobradas e determinadas, crenças definidas e sinceras.

Ainda na estrada eu ia cismando: dessa vez os passeios serão restritos, mas tenho que ir ao Ipiranga. No sábado.

Historicamente esse é, para mim, o dia da contemplação, da observação minuciosa dos espaços, rostos, nomes das ruas. Com a calmaria é possível respirar as memórias, os casos, o tempo.

É assim que faço as pazes com um passado já remoto. Tentando enxergar com o olhar carregado de compaixão os tempos do meu pai ainda criança. De dura infância pobre, tentando fazer a vida, carregando marmitas, trabalhando nas Linhas Corrente.

Ele sempre frequentou o mesmo barbeiro. Sempre falou da rua Costa Aguiar, mais que da Silva Bueno. Falou de um dia que jogou uma partida de futebol com o Barbosa, o goleiro da famigerada Copa de 50.

Mas eu frequento mais essa última. Foi ali que a minha lembrança acabou por permanecer mais viva, visto que marquei presença mais constante visitando a minha tia Evelina.

Aos sábados a vida ali corre lenta. Poucos passantes pelas ruas de nomes históricos, relembrando os primeiros anos da independência política. Imagino a velocidade dos anos 50, com as esposas daqueles operários esticando a comida para que a mesma não acabasse tão depressa. E os trabalhadores, com roupas puídas e solas gastas, voltando para casa e planejando a pelada do final de semana.

Fundamental é comer um salgado de frango com guaraná na padaria da Silva Bueno com a Gonçalves Ledo. Sentada ao balcão, observando quão humilde e tradicional é aquela padaria, sinto o sabor de um tempo construído com esforço desmedido. Contemplo os olhares, os pedaços de melancia , mamão e abacaxi cortados e expostos em cubinhos para uma eventual vitamina.

Acabou a empada. O jeito é encarar uma coxinha. Não importa. O objetivo é sentir o gosto do trabalho incessante proveniente das mãos dos trabalhadores de um bairro que ajudou a moldar a Paulicéia.

E o tempo tem que estar meio nublado para me dar a impressão maior de entendimento da construção da história de vida do meu pai. Não, o sol economizou luz para ele. O sol teimava em olhar para o outro inverso da caminhada do meu pai.

Mas eu visito o bairro aos sábados.

E compro chocolate na Chocolândia, visito a loja sem pressa e descobrindo sempre coisas novas com muito gosto. Também trago para casa os papéis apropriados para embrulhar as trufas que se tornarão presentes para a minha sobrinha e algumas amigas como uma extensão da doçura que vem dali e que deve durar o ano todo. Uma doçura a ser compartilhada com um amor infindo e com a marca de uma esperança, pois mesmo o sol tendo virado as costas, eu teimo eu chamar a sua atenção para um tempo importantíssimo, de lentas construções, muito sofrimento, escassez e conversas sobre a Segunda Guerra e o estrago ambiental provocado pelo uso do gasogênio. Tento lembrar que o sol deve ser democrático em todas as circunstâncias, inundando almas.

Prefiro contemplar o Ipiranga rememorando os tempos passados, de caminhar pela cidade numa segunda marcha... apenas sentindo a vida fluir com intensidade e respeito.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 16/01/2014
Código do texto: T4652345
Classificação de conteúdo: seguro