O prazer na desgraça alheia

As caminhadas matinais que faço me tem sido fonte de muitos prazeres. Observar a natureza e desfrutar a sua beleza, o canto dos pássaros, a cor acetinada de uma flor, o verde brilho do orvalho entre as folhas são algumas das mais refinadas e agradáveis sensações que passei a vivenciar. Naturalmente nem todas as sensações são assim carregadas de sofisticação e finesse, algumas são até bem mais instintivas e naturais como aquelas que sinto ao me deparar com uma bela mulher balançando suas roliças ancas num ritmado vai e vem despertando-me os mais ímpios sentimentos de concupiscência.

As caminhadas tem sido por essas peculiaridades motivo de muito alegria mesmo obrigando-me a acordar cedo para evitar o sol que nesse verão já está a nos queimar as 7 horas. Acostumei a me deliciar observando as mulheres em suas caminhadas, algumas sozinhas, outras em grupo ou ainda ao lado do seu companheiro. Cada uma traz em seu semblante as marcas da noite mal dormida, das preocupações variadas, das suas desventuras e naturalmente também das alegrias, dos seus sonhos e fantasias.

Observar esses pormenores que denunciam o íntimo de cada um e fantasiar sobre cada detalhe tem sido meu esporte favorito. Entretanto, hoje, descobri uma nova fonte de prazer. Trata-se de um prazer mórbido baseado na desgraça alheia. Tudo começou quando encontrei uma pessoa caminhando num esforço hercúleo para carregar cerca de duzentos quilos de pura gordura. – Esse deve ter comido muito, pensei. Imaginei que teria uns cinquenta anos ou um pouco menos e sua aparência era de uma bola enorme coberta por uma mortalha de onde despontava dois braços, uma cabeça e duas pernas curtas que mal aguentava sustentar seu peso e caminhava se equilibrando em pequenos passos, suando às bicas.

Essa imagem tosca foi a origem de uma satisfação perversa derivada do infortúnio daquele. A partir daí, comecei a observar cada detalhe, cada disfunção apresentada por pessoas que sendo mais jovens eram obrigados a conviver com aquilo, enquanto eu, já com mais de seis décadas nas costas andava ereto a passos firmes a perseguir gazelas como um verdadeiro sátiro da mitologia grega. Foi assim que descobri a verdadeira condição humana e aprendi que a desgraça alheia pode ser o combustível que nos faz sentir um pouco melhor na insignificância de nossas vidas.