O JOVEM DO MARANHÃO E EU...
 
Este caso não é conto mas  crônica. Foi tudo verdade.
Quando no século passado,pela década  de oitenta,quando ainda era professor da UNICAMP e cumulava as funções de delegado de polícia-tempo que quero esquecer – mas tudo ocorreu nesse período... Ao sentir a precariedade que existia nas salas de necropsias em todo o País, resolvi fazer alguma coisa para melhorar essa esculhambação...pois as repartições do IML no Estado de São Paulo eram ou ainda  são inadequadas,para uma área importante da polícia científica...
Ainda crendo num Brasil melhor...apresentei um trabalho   ao 7º. Congresso Nacional de Criminalística que se realizaria em Recife,Capital do Estado de Pernambuco. O tema era “Proposta de Padronização das Salas de Necropsías para as Cidades Médias de Pequenas”. A colaboração da UNICAMP para custear  a viagem aérea e estada era uma mixaria...com dinheiro do meu bolso completei o que faltava e voei para Recife.A minha tese foi aprovada pelo colegiado que apreciava os temas que seriam abordados.Constou dos anais do 7º. Congresso Nacional de Criminalística.
No dia da apresentação, mesa formada com um presidente e demais membros, grande público, assumi a tribuna do imenso prédio destinado sòmente para eventos da natureza. Discorri até o final e terminei sob aplausos. Ao sentar à mesa, o presidente que até então não conhecia,usou da palavra para espinafrar o que a duras penas montei para aquela importante reunião de especialistas de todo o País. Entre outras coisas, o então ilustre desconhecido desancou o tema afirmando entre outras coisas que “mais uma vez os médicos não eram ouvidos”- fazendo menção ao tema recém abordado!!!
Imediatamente,pedi de novo a palavra ao presidente “mal amado” e respondi a todo o público, que ao contrário do que imaginava o condutor dos trabalhos naquele instante, esse tema teve participação de médicos especializados na área e cheguei a nominá-los,já que no trabalho não existia nomes,pois, não eram da UNICAMP. Mas médicos-amigos- também participaram de modo colaborativo.
Esse fato do presidente ser anti-ético e malcriado para quem apresentava um tema, mais tarde o presidente do 7º. Congresso veio até mim para propor um desagravo,o que recusei peremptoriamente...
Isso que ocorreu na verdade para mim, nada teve importância. O que valeu foi quando saia do palco e alcançava o público veio em minha direção um jovem para me cumprimentar,dizendo que era do Estado do Maranhão,natural de São Luis e que estudava Direito em Recife...
Quanto ao presidente da mesa nem sabia,na verdade,quem era e o que fazia e o jovem acadêmico de São Luis ao me apoiar no tema e no agravo feito,disse-me, se conhecia aquela pessoa. Disse que não. Aí ele se adiantou e disse o seguinte: “Esse indivíduo é o diretor do IML aqui do Recife...o Sr. Sabe que o IML aqui é uma esculhambação.Está tudo caindo e mais, o sangue dos cadáveres escorrem pela calçada,onde esse senhor é o diretor.Aquilo é uma vergonha!!!”.
Respondi que  nada sabia sobre isso e que mesmo assim o recado tinha sido dado na palestra.
Ainda o jovem maranhense disse,em tom cordial e de apoio  : “Esse homem não merece respeito e nenhuma atenção...admiro o sr. um paulista que vem de longe e dá um recado para um País melhor”.
Sinceramente fiquei comovido com a espontaneidade de um jovem que não lembro mais seu nome, como não guardei o do presidente da mesa publicamente indignado,não sei de que e porquê.Tenho um defeito de fabricação- com o tempo deleto,digo apago nomes de pessoas,às vezes notáveis,nobres e dignas e outras ignóbeis.. desprezíveis.
Hoje,com os acontecimentos terríveis dos presídios no Estado do Maranhão- mesmo com essa pobreza centenária do povo,plebe ignara e a relapsía de uma governadora que pensa em lagosta,camarões e melhor da cozinha nacional,onde o IDH é um dos últimos entre os Estados brasileiros, os jovens de São Luis –como aquele que conheci no Congresso – não jogam pedrinhas nem dão pedradas em ninguém. Pelo contrário- o bom senso não tem longitude nem latitude...Só que nada muda no “quartel de Abranches”.
Que tristeza eu tenho,de tudo isso.
Se você eleitor não vale nada, a não ser na época das eleições. Se os presos nem sequer são atendidos comendo carne crua,no Maranhão, quem há de pensar nos cadáveres que devem ser necropsiados???