Bom Principio De Ano Novo

Os problemas se estenderam por todo um ano , e quando ele terminou dei as costas para o estorvo . Partirei do zero , paginas em branco e uma nova caneta tinteiro , sera assim que irei encarar os novos dias . Telefonei para Marta logo nas primeiras horas do novo ano e expliquei tudo , amarrei as pontas soltas e deixei bem claro o quanto gostava dela . Fui bem sincero e não a deixei dizer muita coisa . Não sei se ela me ouvia , porque tinha uma festa acontecendo atrás de si e os caras do bar não calavam a boca . Então quando terminei desliguei o telefone e fui acabar minha cerveja . Estava quente , a cerveja , claro , com o calor bestial que fazia no lugar , que tinha as paredes de madeira e apenas um ventilador de teto triste e sonolento dançando sobre nossas cabeças . Carlo apareceu , cruzou a porta carregando meia garrafa de gim e um cigarro aceso nos lábios e veio logo na minha direção , se apoiando no balcão , escorregando por ele com seu cotovelo como um patinador irlandês e tive medo que quando aquele cigarro terminasse ele explodisse como uma garrafa cheia de gasolina .

- É isso ai – falou – Você , é exatamente você quem estive procurando noite adentro .

Carlo tinha os olhos injetados e halito azedo de café e cigarros . Sua roupa cheirava a vinho , os cabelos desgrenhados como se tivessem sido cortados com uma tesoura de grama .

- Antes de tudo , espero que tenha tido ...e esteja tendo um grande principio de ano nessa digníssima casa . Vejo que esta cercado de boas pessoas , grandes homens que mudarão o mundo …

- São apenas bêbados surrados e sem grana , Carlo . Não sei o que usou , mas com certeza esta desvirtuando sua realidade .

Num estouro essa cantoria começou , vozes melancólicas e chorosas entonaram uma canção triste . Devia haver uma duzia de homens no lugar , mas a agitação e balbúrdia que faziam dobrava a presença de cada um deles . Carlo tinha muita coisa a dizer e soltou tudo de uma só vez . Ideias se contrapuseram numa torrente sem fim de loucura . Não compreendi frases . , mas saquei que o que tinha , que sua chapação provinha de seu espirito alegre , estava feliz , bêbado de felicidade .

- Agora – disse ele – a ideia é a seguinte , o plano e sair daqui e faturar duas chicas jeitosas . Nenhuma garota seria louca o suficiente para dispensar dois tipos como nos . Veja , você , um artista em acensão , sei que não se considera um , mas sem duvida é , tem todos os trejeitos e manias ; eu sou bom demais para qualquer mulher que não me queira , é isso que penso , inclusive quando Catia me deixou foi isso que disse a ela . Disse que se ela conseguisse por uma eventualidade qualquer encontrar alguém melhor que eu , meteria uma bala na boca só para conferir se ela seria capaz de me matar …

Saímos do bar deixando duas cervejas sobre o balcão . Levamos o gim em nossos lábios , a garrafa saltava de mão em mão , e logo era levada a boca para roubar um gole de seu suco . As sacadas das casas eram verdadeiros clubes noturnos com carne assando e musica tocando . As ruas já eram mais selvagens , mais doidas com o resto que sem ter onde ir vagava seguindo as estrelas sendo observados pela lua , a grande estrela ladra da noite . De uma viela assombrada ao lado da barbearia ouvimos em quanto desvivamos de sacos de lixo cascos batendo . O som dos cascos ecoaram pela viela e desembocaram em nos nossos ouvidos . Indaguei se seria um cavalo e Carlo riu dizendo que cavalos não existiam , pelo menos não mais nas grandes cidades .

- O diabo que não é um cavalo , Carlo , olhe só !

E assim surgiu esse animal descomunal branco como leite e quando ele nos viu bufou o que fez suas narinas se abrirem . Mesmo parecendo perdido – aos nossos olhos – estava bastante confortável na sua situação . O que o animal fez foi seguir na direção contraria a nossa , assim nos sentamos e fumamos um cigarro observando e ouvindo os cascos estalarem no asfalto enquanto as luzes dos postes atraiam a atenção de algumas centenas de borboletas negras. O quarto do gim que nos restava serviu para nos levar até a festa na casa de Samanta . A garota era do tipo hippie , longas saias floridas e cabelo comprido . Boa parte do seu braço esquerdo era coberta por espinhos e rosas vermelhas , das axilas emergiam a negritude da falta de depilação da mesma forma que as sobrancelhas eram grossas no seu rosto roliço . Mas nada disso , nada dessa falta de cuidados modernos do padrão da beleza a faziam feia , era linda a sua maneira , com sua conversa arrastada e cheiro de erva recém carburada . Ficou feliz quando Carlo e eu batemos na sua porta , nos puxou para dentro e enrolou um jarro . Um verdadeiro dedo de gorila pardo . Exitei quando me foi passado a bomba , tive medo que explodisse em minhas mãos, , ou pior , explodisse meus neurônios e me pusesse num estado constante de déjá-vu .

- Se não vai fumar , passe a diante . Não case com o bagulho !

Disse esse sujeito de olhos verdes e rosto sardento . Me levantei e segui para cozinha . A casa era um labirinto . Haviam estantes no corredor , livros empilhados pelos cantos e um aquário vazio sobre a mesa de vidro da cozinha . Um gato branco dormia sobre o geladeira , e quando abri sua porta e tirei de dentro dela uma garrafa de licor de chocolate ele me olhou e se virou , simplesmente rolou sobre suas costas para não me ver mais . Todos os copos estavam na pia , mergulhados numa piscina escura e gordurosa de restos , mas o cheiro do lugar era agradável . Dois incensos ardiam presos a uma galinha de porcelana , galinha essa toda pintada de preto com bolinhas brancas sendo que em suas costas haviam dois buracos onde os incensos estavam enfiados . A musica não parava nunca , era jorrada de uma velha vitrola que não negava suas raízes , pois dava para ouvir bem o som da agulha roçando o velho bolachão enquanto Jimmy Page arrebatava solos ácidos de sua guitarra Les Paul .Samanta apareceu quando estava dando um trago no licor , se sentou a mesa fez o mesmo .

- Esse vai ser um grande ano , um ano magico , vai ver só . Vejo coisas boas acontecendo para você , Oliver .

A luz fraca do ambiente dava sono , a voz arrastada de Samanta um alucinógeno . John entrou pela cozinha tropeçando na própria sombra , os olhos vermelhos e injetados , olheiras enormes , aquele sorriso bobo no rosto , sorriso de bêbado que vê graça em tudo .

- Tenho coisas boas a dizer , amigos !

Soltou ele . Todos tinhas coisas boas a dizer naquela noite , até mesmo John , que fazia o tipo roto que vive nas sarjetas . Estava vestido como um mendigo ; calças sujas e camisa flanela xadrez .Cabelos desgrenhados , magro , aparência doentia e mãos lisas e sem calos . Se achava grande coisa logo tenha publicado alguns contos em revistas de segunda .Balbuciou seus planos para o ano , e achei estranho quando revelou que pretendia passar longe das delegacias e celas imundas dessa vez . Não me lembro dele ter sido preso , fora alguns pequenos problemas com dois ou três policias , não causava grandes problemas . Quase um cidadão respeitável e honesto , claro , a sua maneira ...

Bom , ao lado de gente estranha comecei meu ano . Esse foi meu primeiro capitulo , nos demais , quem sabe você , provavelmente a pessoa mais estranha que jamais conhecerei não esteja nele . E como dizem no teatro : merda !

Musica : Kashmir - Led Zeppelin

28/01/2014

13h34m

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 28/01/2014
Código do texto: T4668243
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.