Na era de vinte do século passado, o tempo escorria lentamente em Pilões, uma vila encravada na Serra da Borborema e que quase passava despercebida de tão pequena. Dois fazendeiros detiam o poder: Joaquim de Oliveira Castro ( meu avô materno) e Coronel Anísio Maia, embora, na verdade, nunca tivessem tido patentes.
          A vida pacata, quase enfadonha de Pilões só acordava aos sábados quando todos iam à feira de Borborema, nos lombos dos cavalos ou à pé. Daí a vila adormecia. As pequenas ruelas convergiam para a igrejinha de São José. No dia 19 de março, dia do padroeiro, a vila se engalanava em reverência ao santo. A festa unia todos numa só fé. Fé no santo que detinha em suas maõs o rumo da vida de seus súditos.
          Sr. Joaquim, Sr. Quinca como era carinhosamente chamado era um líder nato. Acredito que com ele aprendi sobre comunismo, já que ele praticava a divisão de terras sem nunca ter ouvido falar de reforma agrária. Ele me plantou a semente de cidadania e ensinou-me a justiça. De pele queimada pelo sol, entendia-o negro, mesmo que essa minha teoria tenha sido desmentida por todos meus familiares. Acho que meu coração o via negro. Ele era uma mistura de médico, patrão justo, ser humano completo. Autoritário, sábio, exercia seu poder sobre seus dez filhos, inúmeros netos e centenas de afilhados com lucidez e uma mistura de força e ternura. Suas terras cobertas de café e pimenta do reino permitiu-lhe dar uma vida de fartura e até conseguiu a proeza de formar um filho médico no Rio de Janeiro, coisa rara na época.
        Um dia a calmaria da vila foi quebrada. Uma inusitada visita viria mudar os rumos e o cartaz de vila pacata. Mal o dia amanhecia e o café já cheirava na mesa. De repente tiros de espingarda encheram o silencio, um após outro. Meu avô levantou-se e saiu em direção a porta de entrada da casa, recomendando a minha avó que detivesse todos na cozinha. A famosa visita era tão somente Antonio Silvino, famoso cangaceiro, sucessor de Lampião. Devidamente paramentado, usando roupa de couro misturado com fitas coloridas, comandava uma tropa de trinta calungas que pulavam, gritavam e atiravam para o alto no intuito de intimidar. Nisso todos não contiveram a curiosidade e se acercaram de meu avô. Na ocasião minha mãe, ainda menina perguntou ao cangaceiro. " Voces vão brincar o boi aqui?" Antonio Silvino colocou a mão na cabeça dela e respondeu. Depende de seu pai o que vamos brincar... E se virando para meu avô disse: Coronel não sou homem de matar mulher e criança, isso eu garanto, basta o coronel me obedecer. Meu avô sabiamente o convidou para o café e mandou que minha avó alimentasse a tropa. Depois os dois se encaminharam para a "burra" (aliás ainda existe) de onde o cangaceiro retirou todo o dinheiro existente. Não satisfeito fez meu avô ir com ele até a fazenda de Coronel Anísio Maia onde novamente todo o dinheiro foi tirado. Feito isso o cangaceiro disse: Coronel, vamos partir, mas sempre estaremos às ordens. Foi muito bom negociar com homens honestos.
         E foi assim que meu avô viu todo seu dinheiro da safra de café voar.