REMINISCÊNCIAS DO MEU CARNEIRO CAMBRAIA

Onde está o meu velho carneiro Cambraia? Lembro-me ainda do meu primeiro transporte de menino na minha velha Malhadinha querida. Eu tinha 7 ou 8 anos quanto a Tia Ana me deu um cordeiro do seu rebanho, para eu amansá-lo e transformá-lo num verdadeiro ginete de sela. Quase toda tarde eu punha a sela em meu carneiro Cambraia e saía passeando pela nossa redondeza como se o meu carneiro fosse o melhor transporte do momento. A meninada de minha idade tinha uma tremenda inveja do meu carneiro de sela e da minha liberdade de menino peralta. O meu maior prazer era cavalgar no meu ginete e levar comigo um ou outro amigo de infância e vadio como eu. Eu tratava de Cambraia mais do que de mim mesmo. Quando a Tia Josefa ia fazer a sua Via-Sacra eu acompanhava montado em meu carneiro lindo e manso. Depois Cambraia passou a ficar valente, dando marradas em mim e nos meus amigos de vadiagem. Ninguém tinha coragem de pegar o meu carneiro quando ele estava assediado pelas ovelhas. A Tia Ana só falava em vender o meu amado transporte e eu ficava azucrinado com a atitude que a mesma tomava em querer destruir o meu transporte belo. Eu não aceitava ninguém tocar em meu carneiro Cambraia, o meu autêntico transporte de menino, o meu melhor burro de sela. Ao passar do tempo, o meu carneiro foi ficando insuportável e eu deixei de andar a cavalo nele, temendo uma grande marrada ou outras coisas piores. De tanto temer ao meu carneiro, eu resolvi vendê-lo ou trocar noutro melhor transporte. A Tia Ana não queria que eu andasse mais em Cambraia temendo acontecer alguma coisa comigo ou até com outro menino vadio de minha terra. Eu não tinha força para dominar o meu carneiro de sela. Aos onze anos deixei de lado o meu carneiro amigo e comecei a andar no jumento trigueiro do meu Tio José. O meu novo transporte me trouxe uma alegria imensa e nele eu cavalgava com um ou dois amigos do meu convívio. O meu jerico tinha um trote agradável e eu tinha vontade de andar sempre nele como também toda meninada da minha região. Recordo-me do meu jerico e das longas viagens que fiz montado no mesmo sem precisar de batê-lo para uma longa caminhada. Nunca esqueci de Cambraia, o meu encanto de menino travesso e órfão. O meu segundo transporte era mais possante no entanto era mais perigoso do que o meu carneiro Cambraia. Uma vez ou outra meu jerico jogava-me no chão e eu desmantelava um dedo, uma perna, rasgava o corpo e ficava dias doente. Ninguém de minha casa queria que eu montasse em meu jumento matreiro e bastante covarde. Os meus amigos de malandragem se afastaram de mim e eu fiquei só na minha vida de boêmio sem vício. Até hoje eu não sei o fim do meu carneiro Cambraia e nem quem o matou ou se morreu de alguma doença. O meu jerico traiçoeiro foi carregado por uma corja de ciganos solertes. Ainda me lembro dos meus primeiros transportes dos meus tempos de menino que tanto fizeram eu sofrer. Foram estes os meus divertimentos de menino pobre e órfão. Junto ao meu carneiro e o meu jerico trigueiro eu me entretinha de tal maneira que passava a esquecer as minhas desgraças de filho sem pai e sem o conforto necessário a qualquer criança.

Poeta Agostinho
Enviado por Poeta Agostinho em 31/01/2014
Reeditado em 27/02/2014
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