Homem vitorioso
Homem vitorioso, se você assim não se proclamasse, quem haveria de lhe reconhecer? Definitivamente, não era esta a imagem que tínhamos de você no instante que subiu pela porta traseira do ônibus e, um tanto desajeitadamente, começou a abrir espaço para poder chegar até a parte da frente. No momento em que passou por mim, eu não tive dúvida de que se tratava de um pobre bêbado e temi que fizesse alguma coisa inconveniente aos passageiros. Cheguei a essa conclusão muito rapidamente, pois olhei para você e vi um homem negro, velho, barbado, mal vestido, magricela, meio banguela e que mal conseguia falar direito. Assim, quando você chegou à frente do ônibus e se virou para nós eu temi pelo pior.
Homem vitorioso, quando você se apresentou eu achei que não tivesse forças. Porque você ergueu a manga da camisa e mostrou um braço tão mirrado que só se via osso. E de início o seu discurso também parecia o de alguém que só tinha motivos para se lamuriar. Você dizia que as pessoas nem ao menos lhe dirigiam um sorriso e que o homem é sempre avaliado por aquilo que ele tem. Comecei a achar que você era mais forte do que parecia quando disse que nada disso tinha importância. “Deus me ama”, explicou. E falou do amor que esse Deus sente por você com tamanha convicção que deve ter tido cristão no ônibus corando de vergonha.
Homem vitorioso, criatura de aparência repugnante, que precisa pedir dinheiro para sobreviver, da sua boca eu só ouvi louvores. Você se declarou feliz, feliz como nós mesmos nunca fomos, e vitorioso, vitorioso como nós mesmos nunca nos sentimos. Era loucura que você se considerasse assim, mas não está escrito que esse mesmo Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias, as coisas fracas para confundir as fortes, as coisas vis, as desprezíveis e as que “não são” para aniquilar as que “são”? Devidamente confundidos e aniquilados, só nos restou catar moedinhas e lhe entregar, certos de que a sua salvação está bem mais próxima do que a nossa.