* José retornava do trabalho.
Atravessando uma esquina barulhenta, surgia a rua onde ele morava.
Era uma rua comprida.
 
Logo na entrada da rua ficava um mendigo, um velho barbudo, enrolado numa coberta enorme, que costumava resmungar coisas sem sentido.
Em determinado momento o mendigo calava e estendia a mão.
Quando sobrava uma moedinha, José dava ao pedinte.
_ Obrigado, moço!
 
E o mendigo voltava a resmungar.
 
* No meio da rua havia o bar de João.
João era um homem solitário que tentava garantir a jornada vendendo bebidas. 
Se procurassem uma geladinha, lá nunca faltava.
 
José, quando parava ali, pedia um refrigerante.
 
* Mais adiante havia uma velhinha sentada, Dona Albertina.
 
Dona Albertina morava com um neto.
Durante o dia o neto saía para trabalhar.
A velhinha ficava quietinha, serena, olhando o movimento da rua e cumprimentando os passantes. Dona Albertina era muito simpática.
_ Tudo bem, Dona Albertina?
_ Tudo em paz, meu filho!
 
* Depois da casa de Dona Albertina, José contava três residências até adentrar o seu lar abençoado no qual abraçava a sua adorável esposa e os dois filhos queridos.
 
Caminhar até o final da rua, verificando as mesmas pessoas era um hábito o qual José já colocara na “bagagem” da rotina.
 
* Terminando a tarde seguinte, numa sexta-feira, retornando ao lar, José notou que o mendigo não estava no local habitual.

José estranhou, porém a surpresa aumentou bastante quando percebeu o bar de João fechado.
A coincidência ganhou uma estranha intensidade no momento em que o trabalhador José também não viu Dona Albertina.

Ele sentiu um tremendo vazio.
As três pessoas, que sempre compunham a repetitiva melodia da volta após o labor, combinaram sumir.
 
* A esposa de José informou que Dona Albertina passou mal.
O neto veio correndo e a levou para um hospital.
José combinou visitá-la no dia seguinte.
 
Sobre o bar de João, disseram que um pastor realizou uma visita com o objetivo de oferecer um convite para conhecer sua igreja.
João aceitou o convite, foi, não apareceu mais.
 
De repente o mendigo começou a gritar que sentia a cabeça doer, depois caiu desmaiado.
Tentaram levá-lo ao posto médico, mas ele já sinalizava não respirar.
 
* José encontrou João no dia seguinte.

João, sorridente e bem jovial, narrou o episódio em que Jesus convidou Mateus, o cobrador de impostos, para segui-lo.
Imediatamente Mateus largou tudo e seguiu o Messias.
Recebendo a visita do pastor, João explicava que provou uma enorme vontade de esquecer o bar e todas as ilusões mundanas. Ele almejou, a partir daquele minuto, aceitar a proposta do Messias conforme narra o texto sagrado.
 
Assim João, o Mateus moderno, fez.
Desse jeito ele parecia bastante feliz.
 
* Ao lado da esposa, José avançava até o hospital onde Dona Albertina foi internada.
Ele não desistira da visita solidária.
 
Deixando a rua, constatando a ausência definitiva do mendigo, José experimentou uma imensa tristeza.
Ouvindo a informação, na última noite, de que o maltrapilho barbudo morreu, José começou a nutrir uma grande melancolia.
 
Todos os moradores da rua se acostumaram a ver o mendigo inquieto e sujo ali. Ninguém jamais indagou a origem dele nem tentou abrandar a sorte do miserável.
Somente virou um hábito ver o mendigo.
 
* Por que, exatamente agora, José sentia falta do pedinte louco?
 
Falta de quê?
Por que desejar tê-lo ali envolto em tão tristes condições?
 
Disfarçando a forte angústia e uma certa culpa que o incomodava, José pegou o ônibus o qual possibilitaria visitar Dona Albertina.
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 05/02/2014
Reeditado em 05/02/2014
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