Uma Escritora

Por algum tempo trabalhei no almoxarifado de uma firma .Interagir com pessoas e algo realmente difícil , quanto mais tentar compreendê-las . ' Nem tente ' , já adverte Buk em sua lapide . Um grande conselho de um homem sábio que viveu tempo suficiente e todo ele dizendo que odiava as pessoas e amava os cavalos com suas línguas vermelhas saindo da própria alma . Da para entender esse tipo de coisa , da para respeitar a pessoa que respeita um cavalo e nem sempre sente o mesmo por pessoas . Carolina uma pseudo escritora oriunda que conheci certa vez discutindo com o cara do bar sobre duas doses de tequila que ela não havia tomado e estavam na sua fixa , me escreveu em linhas tortas a vontade que sentia de ''ceifar cada ser humano imundo que cruza sua frente toda vez que dobra uma esquina '' . Mas até onde sei nunca matou ninguém , talvez o mais próximo que tenha chegado tenha sido nessa noite quente de verão no bar La Stella . Foi legal ver como lidava com a situação , com os punhos serrados a socar balcão enquanto o homem de gel e barba refazia as contas e procurava pelo erro que estava bem ali , na sua frente , na fixa de Carolina em forma de valores numéricos representados por duas doses de tequila que ela não bêbera . Não estou eu aqui dizendo que ela não seria capaz de beber as doses nem que não gostava do suco mexicano , só relato o momento em que nos conhecemos . Bom , na verdade me ofereci para pagar a diferença e fui taxado de imbecil pela garota , que aproveitando minha 'imbecibilidade' me serrou dois cigarros e uma carona para casa , coisas que eu teria feito sem seus pedidos . Depois disso me ligou , uma semana depois . Conseguiu meu telefone na biblioteca e disse que já tinha me visto algumas vezes por ali .

- As pessoas são melhores nos livros .

Falou .

- Também acho .

Falei .

- Mas as suas pessoas são horrorosas . São escuras e preconceituosas .

- Então já leu um Oliver ?

- E tem mais de um ? Foi um milagre uma coisa daquelas ter sido publicada . O mesmo raio não cai duas vezes no meso lugar , Oliver .

Então avisou que viria até minha casa e me ensinar um pouco de literatura . Eu também já havia lido coisas suas , e eram de difícil digestão . Muitas frases longas e ideias soltas , mas se chegasse até o final encontraria refugos de David Foster Wallace e terminaria contente por ter suportado tal tortura . Como combinado , numa terça a noite seu carro estacionou e vestindo jeans escuro e xadez de mangas longas saltou com uma garrafa de vinho e outra de tequila em mãos .

- Agora – ela disse – vou fazer caridade e tentar ensinar um analfabeto escrever boas historias .

Ela entrou , seu perfume doce logo tomou a sala e dispersou o fedor de cerveja choca do lugar . Perguntei se queria alguma coisa .

- Me traz sua maquina de escrever , preciso saber no que cisca .

- Não uso maquina , uso meu velho computador .

Seu lábios soltaram tsc tsc tsc . Mediu me de ciam a baixo . Eu vestia meu jeans surrado , pés descalços e camisa de algodão estampada do Pearl Jam .

- Se veste como um mendigo , como um morador de rua .na verdade , quer parecer um , faz tipo , pensa que escrever tem a ver com bebedeiras e se vestir mal .

Abriu o conhaque e tomou um trago , um bom e longo trago .

- Você , nada de beber . Não precisa disso , tem que aprender muito ainda antes de começar a agir com um artista .

- Ok , tá legal . Que tal sentar …

- Nesse sofá ? Quantas vagabundas já arrastou com esse papo furado ?

- Quer saber de uma coisa , Carolina , vai se fuder . Faça o que quiser , beba seu conhaque e deguste o vinho , porque eu vou sair e encher a cara , depois vou voltar e escrever a melhor historia já lida sobre uma rabugenta que encontrei nua no meu sofá e de como seus seios eram flácidos e caídos e de com eram peludos .

Peguei as chaves do carro e passei pela porta . Do portão ouvi ela gritar :

- Vai me deixar sozinha aqui, na sua casa ? Quem lhe garante que não vou roubar nada ?

- Roubar o que ?

- Bem ...ora ….

- leve o que quiser , pois já tenho minha historia , muito obrigado .

- Se escrever qualquer palavra sobre mim é um homem morto !

- Vão ouvir falar dos seus seios , Carolina , todos vão saber das verrugas que carrega nas virilhas e de foi possuída pelo maior escritor de todos os tempos !

- Esta descalço , imbecil . Esta descalço !

Ouvi ela gritar quando dava a partida .

No final das contas nunca contei sobre suas verrugas . Acabei voltando as duas da manha , bêbado e drogado , de alguma forma calçado . O carro de Carolina ainda estava la fora , a casa escancarada , parecia normal , tudo fora do lugar com sempre , a não ser pela mulher vestida e bêbada dormindo no chão , sobre meus cadernos rotos de anotações e duas garrafas vazias tombadas no escuro .

Afinal , não sei se Carolina realmente odeia as pessoas ou apenas prefere as personagens impressas nas paginas melhores . Tudo que sei é que escrever sobre elas e divertido .

06/02/2014

16h52m

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 06/02/2014
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