Corrida

Salve, salve leitor. Há tempos que não nos vemos nessa plataforma, a das crônicas. Saudades? É, eu também tive, ainda mais depois do banho de inspiração que encontrei nas palavras de Ítalo Calvino em seu livro Se um viajante numa noite de inverno. A obra pode ser antiga, mas seus efeitos não. Nesse exato instante em que escrevo, sinto o livro do meu lado a me chamar, “seduzir” tal qual uma mulher apaixonado faz para aquele que ama. Resisto, insisto, pois acredito ter uma missão nessa crônica: contar um dia de corrida.

Normalmente, eu falaria das corridas como geralmente descrevo a um amigo com que costumo correr junto: pelo tempo. Contudo, uma vez que mergulho na leitura de uma obra tão suave e profunda, como o livro acima citado, sinto a necessidade de descrever mais e mais além (atendendo aos pedidos para ser mais descritivo e ativo nos textos também...). Sendo assim, vamos encerrar as delongas e descrever um dia de corrida.

Correr para mim, ainda não chega a ser natural. É muito mais uma necessidade do que uma vontade, relaxamento tal como foi a natação por muitos anos. Contudo, os tempos são outros. A vida em uma cidade grande e cara nos ensina a refazer nossos hábitos e caminhos. Há 3 anos morando aqui, percebi que a melhor alternativa pra se exercitar sem pagar nada seria correr. Sentir o vento na cara, a intensidade das pisadas no chão... Realmente, é uma parte interessante... Mas, espera! Estou me adiantando aqui. Vamos primeiro aos preparativos.

Antes de toda e qualquer corrida é fundamental dispor de três coisas: camisa de corrida, short e tênis pra correr. Se os dois primeiros faltarem, você ainda consegue improvisar outras roupas e ir, mas se o tênis faltar, desista pra preservar o calcanhar. Cumprida essa parte, passemos ao passo dois: o alongamento. Fortuito de ter uma bagagem na natação e em outros esportes, posso dizer que conheço algumas formas para se alongar que vão desde rodar os dois braços em um movimento circular para frente e para trás, até inclinar o peso do corpo em um joelho enquanto estica a outra perna para o lado. Essa etapa é fundamental para evitar lesões (e ouvir alguns estalos também, para dar uma “animada” em se exercitar). Passada essa etapa, enfim vêm a corrida!

Agora sim, voltemos ao nosso esboço descrito dois parágrafos atrás. Correr em uma grande metrópole desprovida de praias, certamente não é o melhor negócio. Os horizontes, na maioria das vezes são compostos por prédios e o corredor, se não tomar cuidado, pode se tornar um soldado movido pelos pés e por fones de ouvido que silenciam o som ao redor pelo som auricular.

Desse mal, contudo não padeço. O que define o meu ritmo são sempre os primeiros cinco minutos. Nesse período é que percebo se o meu corpo está mais ou menos cansado, se posso acelerar as passadas ou manter o mesmo ritmo e se devo estender o meu caminho. Tudo isso se passa num intervalo de cinco minutos. Depois desse tempo, entro no ritmo e não posso mais parar. Se parar, desabo e não retorno o mesmo, uma vez que o “ritual” é quebrado. Estranho, né?

O percurso que faço, felizmente, me permite ter acesso a um cenário diferente daquele cercado por prédios e mais prédios. Corro em um caminho das árvores. Os prédios aparecem mais ao fundo, meio que dando um “desconto” pra quem escolhe correr. É um caminho que começa baixo e vai subindo. Subindo, de maneira levemente intensa que proporciona ao corpo sentir o esforço da subida, mas não tanto para se exaurir fisicamente. É um meio do caminho que nem sempre fica claro quando estamos correndo, mas que sentimos conquanto que demos nossas passadas. É uma subida equilibrada, pois, quando chegamos ao limiar do cansaço, ela termina e dá vazão a uma descida em um pedaço que ocupa três quadras. Chego ao final desse caminho, faço o contorno e retorno, afinal cheguei a uma das duas pontas da corrida, ainda longe do fim. O espírito permanece determinado para concluir o exercício já que não disponho de dinheiro ou documentos, carregando somente a chave comigo.

O retorno é diferente. Faço o inverso subo levemente e depois desço bastante. Nessa altura o suor já está bem visível no meu corpo. Quase não sinto, uma vez que focalizo somente na corrida. É preciso terminá-la. Avançando rumo a outra extremidade, onde o caminho das plantas fica ainda mais fechado e, também, mais bonito. Chego ao final dele, encontrando com a sede de um grande clube de futebol (por coincidência, o meu time). Levanto a cabeça, olho, faça a volta e retorno. Nesse ponto eu miro no relógio, tanto para saber quanto tempo já fiz como para saber o quanto ainda falta. Os pés cansam, as canelas doem. E daí? Tenho apenas uma meta a cumprir: correr mais de quarenta minutos. O retorno é tranquilo. Completo o tempo e, novamente, faço alongamentos. O corpo exausto, mas feliz: a meta foi alcançada por hoje. Regresso para casa, suado, cansado e satisfeito em correr.

Andarilho das Sombras

Rousseau e o Andarilho
Enviado por Rousseau e o Andarilho em 19/02/2014
Código do texto: T4698292
Classificação de conteúdo: seguro