Como nossos pais ...

Por esses dias, mexendo em algumas velharias guardadas, encontrei um LP, que pra quem não sabe, é um objeto antigo, redondo, preto e que servia para escutar música no século passado. Pois o tal LP era do Belchior, lembram dele? Entre outras tantas jóias raras, estava a música cujos versos diziam que "ainda somos os mesmo e vivemos como nossos pais" e que foi gravada pela inesquecível Elis Regina em uma interpretação monumental. Não é uma letra que impressione muito pela profundidade, mas o tema nos convida a pensar... Não me parece que a minha geração tenha modificado muita coisa, a não ser o tamanho da barriga. A maioria de nós aburguesou-se, adotando quase que por inteiro todos os valores que tanto criticávamos e que um dia sonhamos modificar. A elite dirigente parece recusar toda e qualquer alteração significativa de comportamento ou atitude: os conchavos seguem acontecendo, a cara de pau ainda é a mesma, a falta de patriotismo e vergonha na cara idem. Nossos políticos são os mesmos que já envergonharam a nação no passado e continuam frequentando CPIs, Delegacias de polícia e inquéritos policiais como antes. Na economia, a conversa é sempre a mesma: Pensamos no futuro e estamos organizando o País para que se possa superar a crise e o sonhado futuro dourado do país parece sempre estar muito distante. O problema é que a nossa crise ou as crises, parecem ser eternas. As soluções sempre passam pela tutela dos organismos financeiros internacionais, do aumento de impostos, pelo aumento dos combustíveis e quase sempre pelo arrocho salarial e retirada de direitos sociais. As crises são sempre as mesmas, com a mesma gritaria de sempre! Há crise na agricultura, na pecuária, na indústria e no comércio, crise cambial, no setor exportador e importador, na saúde, na justiça, na educação, segurança, etc. Parece que só não tem crise para os bancos, que como sempre apresentam lucros extraordinários e para os aproveitadores de plantão,firmemente encastelados em Brasília. Temos crise na cidade, no campo, na favela e em todos os lugares! Como os nossos pais, também nos acomodamos a isso tudo... As crises brasileiras são sempre as mesmas e se repetem indefinidamente e as soluções não surgem jamais. Como os nossos pais, também buscamos refúgio para tudo isto em comportamentos e referenciais ultrapassados disfarçados em verdades absolutas e em modernismos impiedosos. Adotamos a tendência a acumular e a ver a competição e a lei do mais forte como meio de vida e de sobrevivência. O negócio agora é ser competitivo e vencedor, mesmo que isso represente o esquecimento total de bons valores que ainda subsistem teimosamente em meio á uma espiral maluca que (des) educa os nossos filhos. O autor da letra, lá nos idos de 60 ou 70, já sentia a mesma coisa. Para quem viveu nos anos de chumbo e era jovem, lembra muito bem que não nos eram oferecidas muitas saídas e a maioria de nós optou pela alienação pura e simples. Afinal, aquela coisa não era com a gente mesmo... Outros se rebelaram e enfrentaram o poder militar com armas na mão e optaram pela violência como forma de provocar alguma transformação social. Lembro do estudante francês que liderou a maior revolução estudantil dos tempos modernos, ocorrida em maio de 1968 em Paris, e que hoje é, se não me engano, alto executivo de uma grande empresa multinacional na Europa. Algo parecido aconteceu por aqui, pois os rebeldes que chegaram ao poder repetem tudo o que já tinha sido feito antes e alguns até nos aconselharam a esquecer o que escreveram, o que disseram e fizeram, tal a sua ânsia em se tornarem iguais aos seus antecessores. Tem uma diferença nisto tudo: pode ser que os nossos pais tenham feito tudo o que fizeram por idealismo, ingenuidade ou até por amor aos seus filhos. Quanto a nós, porque aceitamos, louvamos e incentivamos os nossos filhos a terem estes comportamentos? Talvez seja não porque os amamos e sim porque talvez os vejamos como um investimento lucrativo que venha a nos propiciar algum dividendo futuro... Talvez seja a resposta possível ao que vivemos e não entendemos e na pressa de nos tornarmos iguais e participantes do redemoinho social em que vivemos, repetimos velhas fórmulas disfarçadas de modernidade. Penso que as nossas mudanças talvez tenham sido para pior. Embora não se diga, a prioridade não parece mais ser amar o próximo e sim livrar o próprio pescoço, nem que para isso tenhamos que pisar no pescoço dos outros. Pode parecer e até ser pieguice afirmar, mas para amar aos outros, precisamos antes amar a nós mesmos e parece que não sabemos mais como fazer e o mecanismo social de defesa que adotamos é o da identificação inconsciente com os nossos agressores. Não é surpresa a banalização da violência dos nossos dias, pois o microcosmo social simplesmente reflete aquilo que lhe é jogado na cara todos os dias e reage violentamente ás violências que lhe são impostas como inevitáveis pelos nossos "çábios"... Também não tem nada de novo nisto que estou rabiscando agora. Como os nossos pais, também nos queixamos das mesmas coisas e nos comportamos como eles. Como consolo, olho para o lado e vejo que tem gente que não mudou nada mesmo. Aqui entram e saem políticos e também não acontece nada de novo. Pois é... A ordem dos fatores não altera o valor do produto, desde que os fatores não mudem. Como os fatores e as pessoas infelizmente não mudaram... Tal pai, tal filho...