A Coisa Preta

A gente lembra quando o compositor Chico Buarque dizia em uma de suas músicas que “a coisa aqui tá preta”. Referindo-se ao período em que vivíamos, onde as pessoas desapareciam sem explicação; onde a tortura era uma instituição militar, jamais admitida por seus comandantes; onde falar russo ou ter um livro de Ho Chi Minh em casa significava ser um elemento de altíssima periculosidade.

Hoje a coisa está um pouco diferente. Podemos denunciar abertamente a participação do Brasil na construção do Porto de Mariel, em Cuba; nos desbundarmos com as práticas malufistas daqueles que se diziam grandes opositores do regime militar e que ensejaram uma ação penal com mais de 50 mil páginas; podemos denunciar o enriquecimento ilícito do filho do Lula, como não podíamos denunciar o enriquecimento de nenhum militar à época; etc. Embora a tortura continue a acontecer, na calada da noite ou do dia, em nossos presídios ou em locais mais apropriados, e os desaparecimentos de pessoas também, como o do Amarildo.

Só que a coisa hoje continua preta. E o nosso grande compositor deve estar percebendo. Por motivos diferentes dessa vez, embora possamos encontrar aqui e ali pontos em comum com o regime inaugurado a partir de 1964.

Referimo-nos à escalada de ações criminosas com que nos defrontamos todo santo dia quando acessamos pela TV os programas jornalísticos. Sem medo de errar, diariamente vamos testemunhar, agora por meio de câmaras (o que antes não existia), bandidos armados invadindo casas, apartamentos, farmácias, mercados, postos de gasolina, recepção de hospitais, roubando motos, carros, montando falsas blitzes, fazendo arrastões nas praias, em ruas desertas ou movimentadas, etc. Ônibus são desviados de seus trajetos, as pessoas são subtraídas de todos os seus pertences e se algum passageiro reage, por ser policial ou militar, é imediatamente alvejado. Ficando tudo por isso mesmo. As imagens gravadas são entregues à polícia. Mas as providências, quando acontecem, custam a ser tomadas.

A insegurança em nossas ruas, como também em nossos lares, é total. As pessoas podem contar apenas com a providência divina. Como foi o caso recente de um tenente que, reagindo a um assalto num ônibus, recebeu um tiro na cabeça, mas não morreu porque não lhe quiseram dar o tiro de misericórdia.

Os bandidos não temem mais as câmaras que filmam suas ações. Exatamente porque a impunidade se desloca na mesma direção e velocidade que o aumento acintoso de suas atividades criminosas.

E aí, Chico, quer coisa mais preta que isso?

Rio, 26/02/2014

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 26/02/2014
Reeditado em 27/02/2014
Código do texto: T4706973
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