Filha

Era agosto. E você me desculpe porque os agostos são todos iguais. Chovia e fazia frio, e acho que a solidão deixava tudo mais cinza, e minha tristeza fazia ventar. O sol não vinha, as flores não brochavam e o colorido se desfez. No meu quarto imundo de hotel jazia alguns móveis velhos e empoeirados, uma televisão sempre ligada, cigarros, uma bebida vagabunda e um livro qualquer. Lia Bukowsky, aquele velho safado que escrevia pra esquecer. Era sábado e eu pensava na vida. Imaginava minha filha, aquela menina de fala doce e olhar da cor do céu. Minha filha dando boa noite e dizendo “eu te amo papai”. Ela cantarolando serenatas e correndo naquele verde gramado cheio de vida. Eu beijando a maça do seu rosto, róseo como borboletas. Ensinando-a a escrever no papel de pão da quitanda. Eram duas vidas que pulsavam no infinito. Minha filha crescendo, crescendo e crescendo. E eu, um ancião desalmado, chorando todas as noites de embelezamento. Enfim, já amo minha filha, que ainda nem nasceu.