Amargurada

Antes do fim, eu andava descalça em meio a chuva naquela areia que já estava lamacenta.

Meus olhos estavam presos no horizonte negro da noite fria, fitando o infinito, além do mar que estava dançando como se zombasse da minha cara de choro.

- Não ria de mim! - eu gritei para ninguém a minha frente.

E ninguém respondeu. Somente o vento e a chuva pareceram se irritar.

Não havia mais ninguém naquela praia. Os covardes se guardaram dentro dos cubículos que os protegiam do molhado. Além do que eram altas horas da noite.

Não vi solução melhor para a minha vida de angústias que caminhar sorrateiramente, em longos passos, sentindo cada gota de chuva cair sobre meu corpo, até o mar com ondas enormes e enraivecidas graças aos ventos. Eu estava chateada com o mundo. Não tinha mais o que fazer nele.

Meu Iphone tocou em minhas mãos. Engraçado, se é que eu podia sentir essa emoção, não estava o sentindo em minhas mãos. Nem me lembrava de estar com ele.

Atendi depois de me irritar com a música que me fazia lembrar ele. E era ele...

- O que você quer? - minha voz era dura e meus lábios estavam bem úmidos. Expressei toda a minha dor nessa pergunta.

- Por favor, precisamos conversar. Você não me deixou explicar...

- Explicar o quê? - eu gritei, e ao longe, um trovão gritou mais alto. - O que eu vi já bastou tudo. A semanas que eu vejo.

- Era só um truque. E hoje não foi bem isso, ela, ela que fez tudo, ela que... - ele parecia muito desesperado. Não quero me lembrar de seu nome. Ele me machuca.

- Basta! - interrompi novamente. - Lamento te interromper nessa história mal contada. Quero que você se dane! Você e a vadia da minha prima.

- Amor, ela me embebedou.

- Não me chame desse jeito, nunca mais!

- Por favor. - ele implorava e eu percebi que estava chorando.

- Quantas chances eu terei que dar a você? Quantas mais?

- Você sabe que me ama.

Desejei bater nele nesse momento.

- Não! Eu amei, agora não mais. Sabe o que é sentir saudade? Sabe o que é se humilhar? Sabe o que é pegar o cara que você ama na cama com outra? Sabe o quanto isso dói?

- Você precisa saber que foi ela, e não eu. Eu te amo...

- Cala essa maldita boca! Cala...

Eu surtei e joquei o Iphone o mais longe que consegui. Ele afundou na lama.

O vento fazia meu vestido preto voar como louco, mesmo pesado e ensopado.

Em momento algum deixei de caminhar, de enfrentar o meu destino. O mar me convidava a visitá-lo, a fazer parte dele. Enquanto isso, eu não sentia meu coração. Era como se ele fosse negro ou que não existisse.

Magoada e querendo matar alguém, decidi matar meus sentimentos e a mim mesmo. Senti como se a alma do meu coração em abandonasse, me fazendo então uma mulher amargurada. Não tinha mais espressão no rosto, a não ser que interpretasse meus olhos aprtados como rancor e ódio. Mas isso eu sentia por dentro.

Senti o gelo todo daquela água fria do mar cortando minhas pernas. Maior foi a dor e a agonia quando foi subindo para as minhas coxas. Não olhei para trás. apenas para o nada que tinha a frente. Estava arrepiante, literalmente. A chuva estava muito forte. Raios passavam não muito longe de mim e os trovões ensurdeciam e me fazia pular com o susto. O mar travesso me jogava de um lado a outro. A água agora passava pelos meus seios.

Determinada, continuei avançando. As ondas enormes que vinham sempre me cobriam, e me jogava para trás, e eu avançava como podia depois.

"Mas por que você quer partir, Regina? Seu namorado vai continuar vivendo. Ele não irá deixar de ficar com ninguém. Seguirá a vida dele, assim como todos. Por que você não recomessa e morre quando for para morrer. Ainda não é a hora, ainda tem muito o que fazer. A felicidade pode ser encontrada sempre que a necessitarmos, basta correr atrás, e não ter orgulho. Se ele existir, faça-o ficar extinto, mas não deixe que isso faça você ficar paralisada no além e dar um fim a algo que não está nem no começo".

Esse pensamento me veio à cabeça, exatamente com a voz da minha falecida avó, que lutou tanto contra uma doença, pois ela queria muito viver e poder pedir o perdão da filha dela, minha mãe, mas a doença a venceu e ela se foi, sem antes realizar o maior desejo de seu coração.

Fiquei parada olhando em volta de onde eu estava e olhando para meu próprio corpo.

- Não vou perder o restante da minha vida por você, Jefferson. Você não merece. Acho que eu posso reverter a situação.

Quando eu tentei voltar, notei que eu estava longe de mais e as ondas eram muito altas e mais fortes que o normal.

Eu dava dois passos, muito dificeis e pesados à frente, mas a o mar me puxava para trás. Até vir uma outra onda e me cobrir inteira. Fiquei sem fôlego e fui respirar, mas no mesmo instante, veio mais uma e outra em seguida. Estava numa área funda do mar e não conseguia chegar a tempo na superfície para poder respirar. O mar me jogou para um lado e para o outro, e depois eu não conseguia mais respirar. Estava sentindo como se eu fosse explodir... e então, não vi mais a água, não senti mais como ela estava fria e nem me debati mais pela falta de ar. Eu não precisava mais dele.