Acreditava no amor à distância

Era como se eu visse a mim mesmo dez anos atrás. Também era um adolescente e não tinha ideia do que fazer com a sua vida. Carregava apenas o nome de uma mulher – uma mulher do nosso tempo, ou seja, uma que se conhece pela Internet e mora longe. E foi precisamente por isso que me procurou, pois sabia que eu próprio já havia vivido alguma coisa parecida. De início me mostrou uma carta que havia recebido no dia anterior – coisa curiosa: podiam se falar em tempo real, mas ainda trocavam cartas. E era uma carta igual a todas que escrevem os adolescentes que amam, com o agravante que aqueles nunca haviam se visto.

Estavam separados por nove horas de distância e dois motivos que impediam o encontro: um de ordem financeira, pois era apenas um adolescente que não trabalhava e nem ganhava mesada, e outro de ordem familiar, pois o pai dela era contra qualquer encontro com pessoas conhecidas pela Internet. Confessou-me que as próprias cartas que trocavam eram uma atividade proibida – ele as endereçava para uma amiga dela, que então tratava de entregá-las pessoalmente. Fora isso, conversavam diariamente pelo computador e pelo celular. Assim passaram os últimos meses, na esperança de que um dia as circunstâncias mudassem e eles, enfim, pudessem viver o amor que acumulavam.

Esse era o estágio das coisas quando ele me perguntou se eu acreditava no amor à distância. Refiz, mentalmente, a minha própria trajetória nesta matéria. Mas a verdade é que eu já tinha a resposta na ponta da língua: por tudo que vivi, eu não acreditava mais. Só que não disse imediatamente, e fiquei pensando se não era o caso de evocar aquela terrível exortação do Braga, que eu já conhecia à época, mas me esforcei para ignorar (“Não ameis à distância, não ameis!”). Pensei ainda em citar o caso do Neymar e da Bruna Marquezine. Mas acabei dizendo apenas: “Não muito”.

Porque eu sabia que, por mais que eu dissesse, ele ainda iria preferir descobrir por conta própria.

milkau
Enviado por milkau em 07/03/2014
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