Trem

Eu sempre quis fugir de trem com alguém.

Esse foi, durante toda a minha vida, mais um dos sonhos malucos que eu criei. Nunca tive motivos pra fugir, nem um grande amor pra me acompanhar, até o momento em você surgiu naquela terça caótica de junho, no meio de uma tempestade, com um guarda-chuva colorido que só te deixava mais molhada, sendo quase atropelada pelos carros enquanto atravessava a rua e por fim, parando ao meu lado, perguntando as horas como se nada tivesse acontecido. Eu quis dizer naquele momento que você se encaixava nos meus padrões de pessoa perfeita para se fugir.

A gente ficou embaixo daquele prédio por uns quinze minutos até a chuva passar e só eu sei como desejei que aquela chuva durasse por mais uns vinte anos. Seus cabelos estavam molhados, seus olhos percorriam a rua como se procurassem algum sinal, sua boca era vermelha como aquela capa de chuva que te deixava ainda menor. E todo aquele barulho de trânsito, vozes e chuva se calou pra te ouvir rindo da piada sem graça que eu fiz sobre um motorista bravo que passou pela rua.

Naquele instante eu quis fugir com você. Segurar a sua mão, sair correndo pela chuva até a estação e comprar duas passagens pro primeiro trem que aparecesse pela frente. Eu não te falei isso, é claro. As chances de você sair de perto de mim e se aventurar com aquele guarda-chuva colorido pela rua movimentada era enorme e eu não arriscaria ficar sozinho naquele lugar. Não depois do momento em que você esteve nele. Hoje eu estou te falando isso, não porque quero que você saia correndo comigo nesse instante e viaje pra um lugar desconhecido, mas porque você precisa saber que é você esse alguém. O alguém que eu procurava. Pra fugir de trem, pra conhecer Berlin, pra mergulhar nas águas do Mar Vermelho, pra procurar um fóssil no Egito e pra realizar tantos outros sonhos, que pela primeira vez na vida, parecem fazer sentido pra mim.

Então, um dia, ela, sem nada pra fazer, entrou num site aleatório e começou a ler os vários textos que ali estavam. Esbarrou com este. Leu-o. Releu-o. Uma. Duas. Três vezes. Ela se lembrou de seu guarda-chuva quebrado e colorido. Sua capa de chuva. O rapaz que a olhou com tanto interesse enquanto esperavam a chuva parar. A piada sobre o motorista. Ela releu o final… “você é esse alguém…” seus olhos encheram-se de lágrimas. Ela iria morrer nesse dia. Já tinha separado os remédios e a dose certa para ser algo rápido e limpo.

O texto tinha um nome. Era um link. Era clicou e este levou-a a uma página. Azar. Havia muitos outros autores e contatos no outro site. Ela procurou desesperadamente por aquele nome… ela não poderia morrer se tivesse sido útil para alguém… ela precisava, ao mínimo, agradecê-lo. Horas e horas passaram-se, até que ela, sem desistir, encontrou a página do garoto e seu email. Ela respirou fundo. Salvou o endereço.

Ela começou a digitar. Não sabia o que dizer. Nâo sabia como começar. Havia se passado quase um ano desde aquele dia…

"Olá… lembra-se daquele dia chuvoso? Da moça com um guarda-chuca colorido e uma capa de chuva muito maior que ela? Bem… obrigada por aquele dia. Eu… eu acabei de ler seu texto… fico feliz em saber que, para alguém, eu fui especial. Mesmo que por pouco tempo. Mas tempo o suficiente para marcar sua memória desse modo…

Obrigada!”

Em uma semana ela obteve resposta. Ela realmente não esperava por isso. Nem um pouco.

"Olá! Eu sei que posso parecer atrevido e até mesmo apressado, mas… você gostaria de fugir de trem comigo?"

Bekah e Rafael Amorim
Enviado por Bekah em 07/03/2014
Código do texto: T4719220
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