A PALAVRA É ARMA

Do cancioneiro popular, “Todo mundo quer ir pro céu, mas ninguém quer morrer”, a referência que precede a citação, empresto de Celso Panza.

A algum tempo, o interpolar momento mais escuro da noite e o arrebol quase sempre acinzentado de minha cidade, existe uma lacuna que enfrento, não tão breve, entre o sono mais por cansaço do que por sossego, e o despertar por obrigação mais que por desejo, e é neste lapso de tempo, que surge a maior parte do que tenho escrito, e uma porção ainda muito maior do que não escrevo, foram juras, declarações, contratos perpétuos que na imaginação produzi, fiz musicas, criei scripts e enredos, defendi causas pessoais insustentáveis, quem sabe até entre tantas irrelevâncias, surgiu algo de real valor literário, mas, que como todo o resto, se perdeu, e esvaneceram-se juntamente com a insignificância do meu dia seguinte.
Esta madrugada, após uma noite cheia entre cálculos e leitura técnica, me peguei pensando sobre o que li em relação ao real poder e valor da palavra, seja ela escrita ou falada.
No decorrer das questões que me passaram e das inúmeras ponderações que fiz sobre o tema, algo ficou martelando, meio que sem explicação, e por isto, de forma incomodativa... o que de fato tem valor, a palavra ou a interpretação?... Ocorreram-me muitas passagens, duas em especial, uma da “Divina Comédia de Dante” e outra de “616 - Tudo é Inferno de Zurdo e Gutiérrez”, Dante descreve em seu livro, o que teria Vergílio encontrado escrito nas portas do Inferno, segundo ele, a descrição diz” Por mim se vai das dores a morada, por mim se vai ao padecer eterno, por mim se vai à gente condenada; moveu justiça o autor meu sempiterno, formado fui por divinal possança, sabedoria suma e amor superno; no existir ser nenhum a mim se avança, não sendo eterno e eu eternal perduro, deixai o vós que entrais toda a esperança.”, inscrição aterradora se analisada pelo sentido sombrio da palavra, porém, do que se trata este inferno, quem de fato é o autor meu sempiterno, seria apenas um engodo nefasto ou a cria é apenas o capataz de obra daquele que é divinal possança e amor supremo?, afinal, se por mim se vai das dores a morada não é tão ruim assim, mas, também se vai ao padecer eterno, aí se torna péssimo, vejamos... duas faces da mesma moeda, o que teve maior peso, a inscrição ou a interpretação?
Já no livro de Zurdo e Gutierrez em seu derradeiro desfecho, a questão se permeia à passagem onde Cristo crucificado profere as seguintes palavras, “Pai, por que me abandonaste”, pergunto, poderia então a partir disto, se questionar a fé inabalável de Jesus, teria ele vociferado contra o Pai supremo, justo ele, que deveria ter a certeza irrefutável da existência do descanso eterno?... ou, na elevação de sua alma presa ao frágil e humano corpo, nos deu a maior demonstração de fé possível, quando por certo, dirigindo a candura de seu olhar aos céus, mesmo em agonia e manifestando dúvida, se entrega sem revolta, não seria então esta dúvida que mensura o real valor da fé, pois, quando temos certeza de algo sempre se torna fácil a decisão?
Tanto na expressão grafada ou por dicção o interlocutor remete ao seu individual conceito o valor da mensagem, penso que seja então a palavra fria até que nós a aquecemos em nosso interior e a elas moldemos a nossa vontade, a essência do bom ou mau emprego está em nós, muito mais do que no bem ou mal que resida nas entrelinhas das palavras, hoje e amanhã como foi ontem, será tanto escudo como espada, depende apenas, como a empunhamos.