Metáfora do cabelo

Zucleida cortou o cabelo. Cortou mesmo. As madeixas compridas até a cintura agora estão na altura dos ombros.

Em verdade, não era sua intenção uma diferença radical no visual. Esse é o típico exemplo de dizer "apara as pontinhas" e ter isso traduzido em faixas e mais faixas de cabelo caindo no chão. Afinal, é importante tirar todas as partes "mortas", secas, danificadas - essa é a filosofia proferida em salões de beleza aqui, acolá, em todo lugar.

A versão clássica de Zucleida teria enlouquecido com a chacina nos fios que cultiva com apego. Mas, desta vez, o frio na barriga foi gradativamente substituído por excitação. A mudança acontecia diante de seus olhos e, no fundo, ela estava curiosa pelo resultado.

Saindo do salão, houve um momento de insegurança, claro. Então, quando Zucleida viu sorrisos sinceros dos amigos, sentiu-se invencível. O cabelo é só o início, ela pensou, agora faminta por mais revoluções. Ela passa a concordar com a filosofia de cabeleireiros porque vê no espelho a prova concreta de seus benefícios.

Cortar as partes mortas evidenciou a beleza do cabelo ainda saudável e fortaleceu o conjunto que agora crescerá em esplendor. A epifania de Zucleida foi perceber que, da mesma forma, é necessário fechar as portas do passado para enxergar melhor as possibilidades do futuro.

Se for completamente honesta, nossa heroína confessa que tem vivido com os pés no freio. Apesar de feliz, ela cria uma resistência por dentro. Faz isso por raiva do destino por ter construído uma história absurdamente diferente do que Zucleida havia planejado para si.

Abusando da metáfora, pode-se dizer que Zucleida queria "cortar as pontinhas” no momento em que decidiu ajustar sua vida. Mas veio o universo e arrancou mais de um palmo da cabeleira, bagunçou o enredo num repente, sem aviso prévio. Desde então, ela tem se comportado como uma pessoa que se olha no espelho, frustrada com a ideia de que só é possível ficar bem de novo quando o cabelo voltar ao comprimento de antes - quando a vida regressar ao ponto em que tudo mudou e retomar o rumo previsto.

Agora basta! Foram onze anos de cabelos longos chegando ao fim. Foram milhares de planos calculados jogados no lixo. Daqui para frente, Zucleida sabe que o desafio é se acostumar com o novo. Mas ela quer ir além. Seu objetivo é explorar essa aventura de madeixas curtas e abraçar forte as outras surpresas que a metáfora engloba.

O cabelo de ontem não pode fazer nada por você hoje. O futuro que montamos em nossos sonhos, mas que jamais se tornam realidade, são ainda mais perigosos. Se você visava um corte, e o resultado foi outro, reclame ou mude a perspectiva. A realidade que te arrebata talvez seja melhor do que os planos idealizados. Zucleida não queria cabelo curto e, agora, ela adora! Imagina o potencial que existe nas outras mudanças?!