Entre o Papel e a Tela

Começar a escrever, deveria ser fácil quando se ama a escrita. Mas não, não é. Fico em frente à tela e não sei o que dizer. Deus, como é mais fácil quando meus instrumentos são o papel e a caneta! A tela de um computador meio que me idiotiza, me tira a concentração em meio aos inúmeros pontinhos que piscam, às luzes e botões a serem apertados. Com o papel, somos apenas eu e ele, tudo flui melhor. Gosto da ideia de manusear meus companheiros de trabalho e com eles ter uma relação afetuosa de cooperação e cumplicidade. O computador me passa uma impessoalidade que não consigo mensurar ao certo. Parece-me que escrevo pro vazio, enquanto no papel, minha intenção fica ali, marcada.

Quando manuseio a caneta, o lápis, o que quer que seja, sinto uma extensão de mim alongando-se até a folha, gosto da sensação que me causa. Já ao digitar, como faço agora, é uma reverberação de um pensamento, muitas vezes inconcluso e embaçado, como se uma parte de mim fosse arrancada ao sair. Mas rendo-me, não por querer, mas por que preciso dividir essa parte de mim que me é extirpada cada vez que escrevo. Desejo ver a reação que meus escritos provocam em outrem. Um paradoxo do meu próprio egoísmo.

Cada vez que percebo atingir alguém com as minhas letras, minha alma se remexe e pulsa, calorosa. Gosto de tocar os outros, gosto de ver os outros envoltos pelas divagações que escrevo, apesar de não escrever com o desejo direto de tocar um alguém específico, na maioria dos casos. Fico feliz quando um desconhecido diz que minhas palavras são bonitas, por que daqui, de onde as escrevo, minhas palavras me soam confusas muitas vezes. Às vezes não soam. Mas continuo escrevendo. Ainda que não me reste mais nada, sempre tentarei escrever.

Acredito que o ofício de escritor é daqueles que por mérito viveram e aglutinaram em si a sabedoria dos anos. Nós, que gostamos de escrever, podemos apenas tentar condensar nossas pequenas experiências em algumas linhas com o propósito de expor nossa óptica do mundo em que vivemos, sem a presunção de sabiamente explanar sobre os mistérios da vida ou do universo. Um escritor é tão mais... é tão sublime consumir o que sai de uma alma delicada como a de um escritor. Penso todos os dias que gostaria de quem sabe, um dia, ter um momento iluminado que me capacite a escrever algo sensível. Não falo das minhas grosseiras análises dos fatos da vida, falo de uma observação sutil e aguçada da essência das coisas que me cercam, e do que não vejo. José Saramago era um escritor. Via, por detrás das coisas óbvias, o mundo tal qual ele o é. Conseguia extrair do real o imaginário e ainda assim, se detendo no imaginário, convergir ao real novamente, posto que não os diferenciava. Todos os grandes escritores são assim, na minha opinião. Mesclam tudo e fazem que as letras se espalhem pelas suas ideias e se derramem no papel/tela. Pra mim são como magos que encantam a todos, prestidigitando pensamentos e transformando-os em letras.

E, ainda que não me reste mais nada, sempre tentarei escrever!

Mah Mendonça
Enviado por Mah Mendonça em 18/03/2014
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