Pequenos Ataúdes

Moro no ultimo andar de um prédio de doze .O ultimo andar nada mais é que o salão de festas , um enorme salão sem paredes . É decrépito , como todos os outros apartamentos abaixo dele , como todos os tipos que vivem e agem como ratos assustados encolhidos em seus quartos gelados e apertados . Lá em baixo , na rua ,durante os finais de semana os bares ficam lotados , gente jovem e bonita que desce até a Cidade Baixa em seus carrões importados a procura da emoção que não encontram em seus trabalhos pomposos e maçantes . Daqui de cima , do decimo segundo andar – não tem nada mais alto que eu em quatro quadras , a não ser o céu carregado e sem estrelas , com a ladra da lua lutando para nos mostrar sua luz roubada que chora para vencer as nuvens de merda que cuspimos para cima – vejo aquele casal sair do táxi e logo se ajeitar numa das mesas do Bar Busca Vida que lhes vende cerveja a dez pratas , a mesma cerveja que compro por quatro durante todo o resto da semana . O casal esta feliz e enche a boca com a cerveja , achando que estão bebendo algo exótico . Eles, o casal , olham tudo ao seu redor com admiração . Cada pedaço de parede sem reboco é arte , cada mesa improvisada com tabuas e tijolos é charme rustico . Uma cagada de pombo sobre o busto do padre em frente a igreja e digno de foto para capa de revista . Para esse tipo de gente que passa apenas algumas horas nesse ambiente que temos como lar , o velho louco vestido em trapos que canta a mesma musica sem parar há cinco anos – é uma canção sobre uma jovem namorada que ele deixou a muito , quando ainda era moço , para buscar seu sonho do qual já nem mesmo se lembra - , esse velho que rouba pão e mendiga trocados , e um tipo icônico e santo . O fedor que vem da fabrica de papel - cheiro de peido constante que toma as ruas do lugar - para eles isso é único . Como a cereja num bolo . Como feijão num monte de merda . E a noite segue , cada vez mais fria , o som do sino corre as vielas e desemboca em forma de horas . Hipster's metidos a artistas com suas camisas xadrez e calças justas se reúnem sempre no mesmo lugar , outro bar com mesas de lata . Da onde estou , do decimo segundo andar , no que a anos foi usado como salão de festa , consigo ver as garotas em seus cachecóis e vestidos verdes fumando seu cigarros mentolados , criticando e salvando o mundo enquanto ficam sentadas bebendo seus drinks de fruta . Estão na esquina a esquerda , um cubículo de frente para o farol , uma trincheira com asfalto arrebentado que durante o dia é frequentado por vagabundos , a noite por intelectuais , e quando as portas se fecham aos finais de semana , as três ou quatro da manha , é a vez das putas e travestis se sentarem nos degraus rotos parta fumarem seus cigarros baratos e fazerem a contabilidade da noite . Da onde estou , aqui de cima , enrolado em lençóis espiando pela janela , vejo elas , as putas e travestis se estapearem por um baque na veia , por um tiro no nariz , por uma loucura qualquer . E a vida segue quando o dia amanhece.

24/03/2014

13h12m

Dica de som : Banda Tool

Álbum : UNDERTOW

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 24/03/2014
Código do texto: T4741859
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