QUEM FOI MORAR COM O PAI?

A vida nos reserva, é verdade, bons e maus momentos, independente de eles serem originários da sua relação pessoal e/ ou profissional. Faz parte da vida.

Pois bem... Tenho dito aqui, em algumas crônicas, que trabalho há bastante tempo só com uma equipe de mulheres. Já disse também que é bom por um lado e, por outro lado (pouquíssimo, por sinal), ruim.

Discorrer sobre o bom e o ruim – de trabalhar com “elas” – não seria elegante da minha parte, até porque só o fato de trabalhar entre o sexo feminino me possibilita aprender muito sobre esse universo – dito estranho, por nós homens – e, modéstia à parte, quando se faz necessário, o que aprendo observando-as dá para não me colocar como mais um a achar que é tão difícil compreender o emocional de cada uma delas.

Assim, na sala em que eu trabalho, todas são madrugadoras. O único preguiçoso com o raiar do dia sou eu. Normalmente, eu chego por volta das oito, oito e trinta. Chego, dou bom-dia e observo que todas elas já estão desenvolvendo, a pleno vapor, os seus afazeres pedagógicos. Essa rotina, no entanto, foi quebrada a semana passada...

Quarta-feira, dia 17. Cheguei, desejei-lhes um bom-dia e, ao me dirigir para o birô, percebi que um dos birôs, que é ocupado por uma delas – a Nena –, estava desocupado. Não estranhei, é claro, pois o trabalho delas exige um levanta e sai da sala constantemente.

Porém, passados demorados minutos, entrou pela porta a dona do birô desocupado, de cara amarrada, semblante preocupado e visivelmente decepcionada com alguma coisa.

Como não sou louco de ser o primeiro a perguntar – vai que ela estivesse “naqueles dias” –, fiquei na minha; entretanto, mantive o olho de soslaio para o lado da atrasada colega de trabalho (essa estratégia deve ser adotada sempre que elas estiverem na TPM), tendo cuidado para que, caso ela percebesse e perguntasse o que eu estava olhando, eu já tivesse uma desculpa, mesmo que fosse ingênua, para ser dita, tipo: “nada não, apenas um torcicolo no pescoço que me impede de olhar para a frente”.

Ainda de soslaio, eu percebi que as suas companheiras também estavam surpresas. Aí foi que eu me preparei para sair dali ao menor sinal de, por exemplo, um simples arrastar de sandálias, acompanhadas de uma batida de mãos na madeira do birô. Felizmente, a colega de trabalho esclareceu o seu atraso. É que tinha ido dormir muito tarde e, como a noite estava quente, ela resolvera ligar o ar, fechar as grossas cortinas, porém, esquecera-se de programar o despertador do celular para o horário de sempre. Resultado: acabara perdendo a hora.

Contudo, o que ela não sabia é que a filha, por sinal grávida, tinha ligado para o trabalho e ficado sabendo que ela ainda não tinha chegado. Estranhando tal fato, resolveu ir até a casa da mãe. Chegando lá, chamou-a até se cansar, sem lograr êxito em sua tentativa de acordar a genitora, que estava confortavelmente adormecida, no “bafo” e nos braços de Morfeu (?)...

Desespero total da jovem quase parturiente, que liga de novo para o trabalho e conta que a mãe não responde aos seus chamados. Uma colega da sala, por sinal de fino trato – uma verdadeira lady –, tratou de acalmá-la. Felizmente, conseguiu!

Ao desligar o telefone, no entanto, a nossa lady já foi tratando dos preparativos para, em caso de uma passagem da coleguinha para a morada eterna, não lhe deixar faltar nada. Desta forma, ela foi logo perguntando se devia ligar para o Corpo de Bombeiros e o ITEP, avisar aos parentes, em caso de confirmação de morte por ataque cardíaco durante o sono, reservar o local de velório e até procurou saber com quanto tempo depois se fazia necessário por os “tufos” de algodão no nariz da passageira eterna.

Ao saber de tudo aquilo, a quase classificada como defunta, num tom de decepção, desabafou: imaginem vocês o que fez a colega de sala, que por um pequeno equívoco do sonho – que se fez mais demorado – já me encaminhou para o céu em plena vida. Coitada de mim! Estar com o nariz esfolado de algodão e, ainda por cima, ter meu corpo rodeado de flores, ofertadas pelos parentes e aderentes, não deve ser uma visão das mais bonitas de se ver... Mas Deus é bom e não atendeu aos dedicados pressentimentos da minha querida “Judinha” e me poupou até de arder no purgatório por, se tivesse ido morar com o Pai, ter ficado devendo a ela a quantia de quatro reais...



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Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 31/03/2014
Reeditado em 14/10/2020
Código do texto: T4751488
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