NO ESPELHO

“Vó me dá um trocado aí!” Escutou o grito vindo da esquina e ficou estarrecida, gelou mas não por medo, era raiva. Pela primeira vez fora referida como “avó”, isto lhe teve o significado de velha, caquética, decrépita, senil.

Sem parar mirou o rapaz que tinha proferido aquela calúnia enquanto raios lazer saíam dos seus olhos e o cortavam em pedacinhos. Desaforado, imagina se tenho idade para ser avó de um marmanjo deste, só pode sofrer das vistas, nem tenho netos ainda!

O sujeito não desistia, continuou andando atrás dela e proferindo em alto e bom tom aquela heresia, “vó me arruma um troco”! Calada ela pedia, me segura meu santinho que vou lhe dar é um “toco”, vai levar tanta bolsada que não saberá dizer no hospital quem o atropelou.

Furiosa decidiu que aquilo não iria mais acontecer, berrou para o insolente, “VÓ É A SUA VÓ!” e entrou na primeira drogaria que encontrou. Foi abordada pelo atendente que gentil veio perguntar-lhe: “posso ajudá-la minha...”. NÃOOOO! Vociferou antes que ele terminasse a frase com a malquista palavra.

Foi logo depositando na cesta a loção de limpeza profunda, creme restaurador anti-idade, esfoliante, tonificante, máscara de morango e de pepino, creme de alface, máscara capilar, óleo de semente de uva, afrodisíaco... Afrodisíaco?... Claro, é parte fundamental de um tratamento para rejuvenescer, por que está espantado, não entende dessas coisas não? ... tinta mais escura para os cabelos, hidratante, filtro solar, etc, etc.

Chegou em casa com a intenção de procurar o telefone de algum cirurgião plástico mas antes correu para o espelho. Procurou avidamente pela velhinha, não estava nos cabelos, achou um sinalzinho dela perto dos olhos e mais nada. Ficou um tempo olhando para aquele rosto... quer saber, se já tivesse netos, aquelas criaturinhas lindas, fofas e maravilhosas, seria uma vovó bem enxuta... muitos até iriam dizer, uma jovem vovó...

Olhou para a sacola e riu.