A FALÊNCIA DA PADARIA (EC)

De algum tempo percebera a queda da qualidade da padaria do Sr. Joaquim. Diminuíra a quantidade de produtos, o pão não tinha a mesma aparência, os anteriores apetitosos docinhos e croissants também não eram os mesmos. Parara a produção dos pasteizinhos de Belém.

O quase sempre bem humorado gajo, que se dividia para atender as freguesas vetustas da manhã, multiplicava-se pelo balcão onde servia pizzas, salgadinhos e cerveja aos não propriamente fregueses e ainda substituía o funcionário do caixa, estava mudado.

Andava acabrunhado. Murcho.

Não reagia às piadinhas alentejanas ou sobre mais uma derrota de sua Portuguesa.

Nenhum gesto ou sorrisinho desejoso de um palavrão.

Francamente, estava curioso, mas cadê a coragem para atrever-me perguntar o que ocorria.

Talvez alguma doença.

De certo mesmo, é que padarias mal cuidadas acabam fechando. A freguesia não perdoa.

Seria um problemão para mim.

Como mudar o hábito das minhas tardes sem a paradinha costumeira na velha “Tradição da Vila”, tomar um lanche e observar por alguns minutos a movimentação da rua?

Encafifado, passei a prestar menos atenção na parte externa e mais no interior da padaria.

Percebi não fosse eventual a falta do funcionário do caixa.

Comentei com um desconhecido habitual de balcão e soube, meio desconfiado, que o Salvador pedira as contas.

Funcionário de tantos anos.

Esticou conversa o desconhecido: Natal, padeiro de mais de vinte anos, também saíra.

Explicava-se o porquê da queda de qualidade da massa dos pães.

Procurei aproximar-me do velho Joaquim.

Temia uma reação extremada. Agressiva.

A uma pergunta “a nível de” maior intimidade, receber uma resposta “tipo assim”: “Oh! Gajo, não é da sua conta.”

A curiosidade foi mais forte.

Tomei coragem e puxei assunto com o clássico: “Tudo bem com o senhor?”

“Tudo bem!”, respondeu-me amargo.

Entabulei uma conversinha óbvia e arrisquei: “Como vão os filhos? Devem estar crescidos? E sua esposa? Ela não tem aparecido mais por aqui.”

Uma lágrima escorreu de Joaquim. “Teresina? Ela se foi...”

Gelei! “Ela faleceu?”

“Pediu divórcio.”

A língua mais comprida que o cérebro ia antecipar-se, pensando alto, mas Joaquim foi mais rápido: “Aquela rapariga, filha de outra, já foi tarde, mas tomou-me metade dos bens. Levou-me quase todo o dinheiro do Banco. Estou falido.”

Pensei para mim: “Ah! Entendi...” E com olhar de comiseração despedi-me, desejando-lhe boa sorte.

E continuei, mais por tradição a dar a costumeira paradinha por lá.

Depois de algum tempo de tristeza e quase fechar, seu Joaquim pediu recuperação judicial, reergueu a padaria e hoje vive feliz com sua nova companheira, uma tenra morena que faz o caixa.

“Cuidado, seu Joaquim!” Arrisquei, certa feita, uma piadinha.

“Oh! Gajo... Pensas o que de mim? Não errarei duas vezes. Não tem perigo! Desta vez com separação total de bens.”

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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Abrindo Falência

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Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 07/04/2014
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