Homem honesto vira notícia

Homem honesto vira notícia, sai no jornal, repercute nas redes sociais. Aparece até na televisão, fechando o noticiário, que é para dar uma amenizada nas tragédias noticiadas antes dele. Porque todo mundo se sente enlevado perto do homem honesto. Sobre ele está a esperança de toda a humanidade. Se ainda existe um homem honesto, então ainda há salvação para nós. Imagine, um homem honesto! Um sujeito que acha dinheiro – sempre muito dinheiro, porque com pouco dinheiro qualquer um consegue ser honesto – e, em vez de ficar com ele, devolve para o seu legítimo dono! É espantoso, sobretudo porque não temos outro objetivo na vida que não o de ganhar dinheiro. E tanto melhor se ele vier sem esforço, seja através da Mega Sena ou de uma carteira encontrada na rua. Mas o homem honesto – Santo Deus! – tira a sorte grande e, mesmo assim, encontra dentro de si escrúpulos para dizer que ela não lhe pertence. Sendo o jornal um meio de comunicação que prima pelo inusitado, sua aparição é certa.

Mas também há o homem honesto que exagera – esse poderia ser chamado de fanático. Quanto maior for o exagero da sua generosidade, tanto maior será a repercussão do seu gesto. Imagine um homem que encontra na rua não apenas dinheiro, mas o boleto bancário que deveria ser pago com ele. O homem honesto trivial descobriria no boleto o nome de sua dona e trataria de devolver ambos – boleto e dinheiro. Se fizesse assim, ganharia a gratidão da dona do dinheiro, mas dificilmente as páginas dos jornais, pois este caso de honestidade era de pouca monta, apenas R$ 600 (há honestidades mais caras). Mas valei-me, minha Santa Edwiges! O homem foi até a casa lotérica e pagou a conta! Foi a essa circunstância, absolutamente improvável na civilização cristã ocidental, que os jornais aludiram. Depois disso, o próprio encontro com a dona seria desnecessário, se não fosse pela necessidade de lhe devolver o troco. Devolver o troco! Ah, como é merecida a fama do homem honesto!

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 08/04/2014
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