A Morte é A Mulher que Eu Queria Levar Para Cama Outra Vez

Estava parado no transito aguardando o sinal abrir quando Carlo saltou para dentro do meu carro , todo suado e com olhos injetados de quem não dorme a dois dias .

- Mataram a Monaliza !

Foi o que disse . Agora essa , pensei , quem diabos é Monaliza ?

- Cara , MATARAM A MONALIZA ! Temos que fazer algo a respeito .

Eu estava tomando um banho de saliva . Carlo falava bem próximo do meu rosto , e tinha um cheiro estranho saindo da sua boca. Na verdade era o fedor da falta de higiene bucal mesmo . Alguém meteu a mão na buzina para me avisar que o sinal estava aberto . Acelerei o velho Ford na direção do posto . Estacionei em frente a loja de conveniências e pedi para o cara se acalmar . Primeiro , quem é essa ?

- Não acredito que mataram , não acredito nisso . E agora , o que vamos fazer ? Temos que fazer …

Puta merda , ele ta doidão . Só pode ser . Sai do carro e fui até a loja , comprei duas cervejas e voltei . A moça do balcão perguntou se estava tudo bem , porque Carlo surrava o porta luvas inconformado com a situação .

- Não é um dia bom para ele .

Respondi . No carro entreguei a sua lata e tomei um gole da minha .

- Assassinos , assassinos !

Gritava Carlo . Pedi para baixar a voz mas o infeliz não me escutava .

- Tá legal , vamos dar o fora daqui antes que chamem a policia .

No caminho até sua casa chorou e derramou bebida no meu banco . Tive de arrastá-lo para dentro . Se tratava de um dia quente e seco . Me sentei no seu sofá roto de couro e assisti ao show até que se acalmou .

- Então , do começo . Se a mataram , acho que devemos ir a delegacia . Não foi você que matou , foi ?

Seus olhos vermelhos surgiram do meio das suas mãos tremulas .

- Eu jamais faria algo assim !

- Que seja . Mas quem diabos é Monaliza . Sua mãe ? Sua irma ?

- Sheilla , Oliver , não tá lembrado da Sheilla ?

- Boca de algodão ?

- Mais respeito com os mortos .

- Jesus todo poderoso . Mataram Sheilla !?

Entrei em panico . O fato de saber que jamais a veria foi um choque . Precisei ir até o banheiro e molhar o rosto . Uma perda em tanto para qualquer um que conheceu seus serviços . Não se tratava de algo que se consegue em qualquer esquina por quinze pratas . Voltei para sala e encontrei Carlo do mesmo jeito que o deixei , com as mãos sustentando a cabeça entre as pernas .

- Maldição . Esse vai ser um longo ano , sem duvidas .

- Sabe , estive pensando num plano .

Disse ele , enxugando o nariz com as costas das mãos .

- Vamos contratar matadores e detetives ?

Dei a ideia .

- Não , deixa disso . Muito caro , não temos dinheiro para tal .

Respondeu .

- Oque então ?

Estava claro que era um plano de merda que revelava o grau de desespero que nos encontrávamos . Acabei concordando em ajudar , mas não concordava com o plano .

- Mas antes precisamos de equipamentos .

- Acho que tenho tudo em casa .

Falei .

- Certeza ?

- Tenho sim . Afinal de contas são duas pás . Isso a gente compra em qualquer mercado .

- Ok , mas tem que ser hoje .

- Hoje ?

- Quanto mais tempo demorarmos menos proveito tiraremos …

- Ho , Deus …

Fomos para minha casa pegar as pás . Mas ainda era dia , então resolvemos esperar pela noite . Tomamos alguns goles e fumamos alguns cigarros . Com o passar das horas fomos ficando bêbados e em determinado momento até esquecido do plano , mas em outro o plano pareceu bastante razoável . Quando a noite chegou fomos decididos ao Cemitério Municipal reaver o corpo de Mona. Tinha um guarda que tomava conta do portão , um velho fumador de ópio que já nem achava mais o pinto de tanta erva que fumava . Saltamos o muro e seguimos entre os túmulos ; entre a arquitetura fúnebre e Gótica que serve de casa para os que já se mandaram . Mona tinha sido enterrada numa cova publica , e as covas publicas são más sinalizadas , logo tivemos um trabalhão para achar o lugar .

- Porra , tem certeza que é esse aqui , Carlo ? Essas covas são todas iguais …

- Pode confiar , Oliver . Não tá sentindo o perfume dela , sua presença ?

- To sentindo é cheiro de merda . Acho que vou me cagar todo .

- Não seja covarde . É só um corpo . E além do mais esta fresquinho .

Começamos a cavar somente com a luz da lua a clarear nosso trabalho . Depois de algum tempo batemos em algo .

- Veja só , nem foi tão difícil . Os sacanas nem se deram ao trabalho dos sete palmos .

- Não são seis ?

Questionei .

- Não , tenho certeza que são sete .

- Não , não são não . Sete é o numero de vidas que um gato tem .

- Duvido muito . Ache um gato e eu lhe abro a cabeça com essa pá . Quero ver se ele vai se levantar e sair correndo .

- Então tá me dizendo que botaram o nome errado naquele seriado Six Feet Under ?

Carlo me mandou calar a boca e ajudar a abrir o caixão de madeira .

- Oh , Jesus amado ! Mas que merda é essa ? Que fedor do inferno esse …

Carlo quase vomitou , e eu vomitei mesmo quando tiramos a tampa do caixão .

- Seu desgraçado – falou meu amigo me acertando com a pá nas costelas – você vomitou tudo ai dentro , seu merda !

- Vamos deixar Mona ai , cara . Vamos deixar seu corpo putrefo em paz e rezar uma missa pra ela como toda gente normal faz .

Mas é claro que ele não concordou . Com o corpo da garota nos ombros a carregou entre as covas . Chegou a reclamar do seu peso , então eu o ajudei a atravessar o muro .

- Cuidado ai . Não vamos deixar cair .

Mas ela caiu . Caiu e fez um barulho de osso quebrando quando atingiu o concreto da calçada . A botamos no porta malas e demos o fora . Decidimos que iriamos precisar de um padre para rezar por sua alma . Mas onde arranjaríamos um padre disposto a participar ? Afinal , Mona era fruto de um roubo .

- O padre Bento .

Sugeri .

- Não é padre , é pastor , ou missionário . Não acho que rezam missas para mortos .

- E o melhor que temos . Afinal , se não concordar ameaçamos o cara .

- E com o que ?

Indagou Carlo , dirigindo com cuidado pára não atrair suspeitas .

- Todos sabem o que ele gosta de aprontar com os pequenos fieis . É um tarado .

- O que ele apronta com os pequenos ?

- Só posso dizer que crianças passam a acreditar no bicho papão depois que conhecem a salinha dos fundos .

- Oh , Cristo ! Não sei se quero alguém assim rezando pela alma de Monaliza .

Iriamos chamar os outros clientes , pelo menos os mais chegados , deveriam ser convidados para a missa que faríamos . Conhecíamos uma parte considerável deles . Um bando tão distinto quanto esse seu humilde narrador . Parado num cruzamento Carlo sugeriu uma ultima foda .

- Só nos dois cara . É nossa ultima oportunidade , depois só se metermos uma bala na cabeça .

- Mas ai vamos direto pro inferno . A bíblia diz isso .

Ele deu uma rizadinha .

- Ela se daria muito bem no inferno . Tem muito fogo pra ela apagar lá embaixo .

Chegamos em casa . Quando abrimos o porta malas joguei um lençol sobre o cadáver para disfarçar .

- Meu deus , não me lembro dela ser tão pesada assim antes .

Falei , arfando para tirá-la de dentro do carro .Depois de certo trabalho consegui botar o peso morto no meu sofá .Carlo estava ansioso acariciando seu pinto mórbido .

- Serio mesmo que vai fazer isso ?

Perguntei .

- Claro que sim . Você não ?

De certo modo a situação não era nova para mim . A algum tempo vi um cara fodendo uma fotografa rica que ele dizia ser sua esposa .Ela estava morta e dura no sofá da salá . Quando a policia chegou me encontrava na cozinha vomitando , sai pela janela e nunca mais vi o infeliz . Agora estava eu , novamente prestes a assistir a ação de outro urubu .

- Ela ta fedendo . Parece que esta morta a uma semana .

Falei .

- Que isso . Nem esta tão mal assim . E tem outra , quem se importa . Respire pela boca .

Disse Carlo , excitado . Perguntei como ela tinha sido morta .

- Abriram sua garganta . Foi isso que ouvi . Mas também ouvi historias que foi baleada .

Olhei seu corpo coberto no sofá , com meu melhor lençol azul .

- Sei não . Olha só a barriga . Tá inchada .

- Só um pouquinho . De um tempo a ela , Oliver . Passou a vida toda cuidando do corpo sendo um bom pedaço de carne , agora deixe ela curtir um pouco .

Carlo tomou a frente para tirar o lençol do seu corpo .

Me afastei , receoso . Senti que vomitaria a qualquer momento , principalmente quando notei uma marca melequenta se formar na minha roupa de cama .

- Não estamos cometendo nenhum pecado aqui , caro amigo . SE trata de respeito . Estamos simplesmente demonstrando nosso respeito pela melhor profissional do sexo que já pisou na terra .

Mas tinha algo errado . Ficamos ambos olhando para o que estava bem ali no meu sofá . Usava terno e tinha bigode. Os olhos brancos nos fitava sombriamente . A pele escura nada tinha a ver com o tom claro e delicado da pele de Mona . As mãos pequenas deram lugar a uma mão forte de unhas mal feitas . Carlo não entendia o que acontecia ali .

- Esta bem claro para mim , Carlo . Erramos a cova . Cavamos no buraco errado .

Expliquei a ele .

- E agora ?

Falou .

- E agora ?

Respondi .

09/04/2013

14h36m

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 09/04/2014
Código do texto: T4762555
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