Intertextualidade Urbana

De manhã cedo, ao sair de casa, dei de cara com um mendigo espichado na minha calçada. Cheguei a me assustar: em cima do papelão o homem dormia, parecendo ter passado a noite ali. Assim deitado, percebia-se que o que eu e a maioria das pessoas consideramos desconfortável, era o máximo de conforto que ele dispunha.

Estava numa das minhas manhãs emotivas, sensíveis e, ao ver aquela cena comum do dia-a-dia, comecei a ter meu momento reflexivo. Questionei-me sobre o que teria levado aquele ser humano a viver naquela condição de abandono, tanto da família, quanto de nós, a sociedade, que sempre olhamos para essas pessoas com indiferença, ou pior, que fingimos nem ver.

Pensei em deixar um café da manhã ao lado do homem, para que quando acordasse, ele tivesse uma surpresa boa, talvez a única no dia. Mas como a maioria dos brasileiros, eu precisava ir trabalhar. Já estava atrasada por ter passado um bom tempo em frente ao espelho me maquiando para disfarçar as bolsas que se formaram em meus olhos, e, parar ali me atrasaria ainda mais.

"Puxa vida, que grande ser humano eu sou", falei comigo mesma após continuar o caminho. Vejo a situação, aponto as causas, penso em n fatores, mas no final das contas não ajo. Penso em fazer a diferença, porém não pratico e fica tudo do mesmo jeito.

Sei que muitas pessoas, assim como eu, têm esses momentos de reflexão, geralmente quando estão numa fase sensível, o correto seria ter consciência todos os dias, mas... sempre tem o ''mas''.

Inclusive eu faria uma conclusão legal, mas hoje saí de casa mais cedo e vi o mesmo mendigo numa rua próxima. Ele deve acordar a qualquer momento e espero que veja a sacolinha que deixei lá. Espero também que ele se sinta ao menos um pouquinho feliz, porque ele também é humano e seres humanos não ficam satisfeitos com pouco.