Tita

Fazia tempo que não ia a casa de minha mãe, resolvi num domingo claro de muito sol, pegar o carro, as crianças e a esposa e seguir viagem, já tendo avisado é claro que iria almoçar, afinal de contas comida de mãe é comida de mãe. Ainda no telefonema, minha mãe me disse que tinha uma surpresa para mim, que eu iria gostar muito, fiquei curioso em saber, mas ela soube segurar e disse que quando eu lá chegasse eu constataria a surpresa.

Dirigi apresado, doido para saber do que se tratava, nós moramos relativamente próximos e em 20 minutos eu já estava de pé em frente sua casa, abri rapidamente a porta e para minha surpresa, pude reencontrar com minha, prima-irmã de criação, a Tita (o nome dela é Marcia, mas nunca chamamos assim), poxa aquilo realmente foi uma agradável surpresa reencontrar aquela neguinha depois de tantos anos. Dei um forte abraço, daqueles que servem para matar todas as saudades possíveis, tirei um sarro da cara dela como de costume e não pude deixar de conter duas lagrimas que se represavam em meus olhos, vindas lá do coração.

Rever a Tita era rever também duas pessoas muito amadas que já não fazem mais parte de nosso plano existencial, rever a Tita, era rever o Tio Fernando e a Tia Irene, seus padrinhos e que a criaram inicialmente, digo inicialmente porque depois a nega foi confiscada para viver entre nós.

De cara veio à lembrança daquela molequinha raquítica, cabelo desgrenhado, tinha três anos de idade, parecia um bichinho assustado, que chorava por tudo, principalmente quando, eu, o Marcelo e a Dani, cantávamos para ela, - A tia Irene foi embora, a tia Irene foi embora! Viche, a neguinha se danava a chorar, - A tia Velma dizia parem com isso seus moleques, parem de atentar a menina. Ai era que a gente fazia, só de pirraça.

A neguinha era tão especial, que ganhou as graças da vó Sara, a quem ela chamava de vfofo ( era assim mesmo, tinha Fe V, misturados)velha Sara corria atrás da gente de pau, quando estávamos atentando demais, uma delicia de lembrança que faz bem ao coração.

Tia Irene não durou muito tempo e logo faleceu, ainda éramos crianças, mas isso é uma outra história que fica para outra hora. Deixa eu contar, o tempo foi passando e a gente sempre na molecagem, agora a neguinha era mais esperta já participava com gente, era estripulia toda hora, se bem que na hora do pega pra capar, ela ficava no lugar dela e se fazia de santinha (santa sacana, isso sim).

Mas teve um dia que dentre todas foi demais, acho que foi um pouco depois do almoço, estávamos descansando e a Tita, junto com a Dani, estavam brincando, de repente a nega sai gritando pela casa, pedindo socorro, corria pra lá, corria pra cá, e gritava que estava pegando fogo, corremos para ver o que era, simplesmente, ela e a Dani, estavam brincando com palitos de fósforo e a Dani teve a infeliz ideia de jogar um palito no cabelo da Tita, dai já viu, palha de aço pega fogo fácil, meu Deus, queimou o cabelo da neguinha, que ficou aborrecida, mas depois, demos tantas gargalhadas juntos, que doíam o estomago da gente, e assim mas um dia se passou, um dia de alegrias, um dia de amizades, um dia de fraternidade, um dia de irmãos, não de sangue, mas, irmãos de alma, irmãos de longa data, irmãos que se querem bem e que sabem guardar no fundo dos corações, no amago de nossos sentimentos, todo o amor que se pode ter um pelo outro, e assim, o tempo passou, e como disse antes, impossível ver essa nega, e não ter saudades tão gostosas de tempos mais gostosos ainda.

Por isso, só tenho a agradecer, pela infância tão carregada de alegrias e de um companheirismo, que nos fortificou e forjou para sempre, nossos laços de irmãos.

Tony Monteiro
Enviado por Tony Monteiro em 14/04/2014
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