FOI O LIQUIDIFICADOR QUE MATOU O JOSÉ WILKER

Você não precisa de âncora de telejornal para te dar notícias porque você não precisa de notícias. Não precisa mesmo. Se anunciam para você que o José Wilker faleceu, a primeira coisa que você fará é procurar em uma região do seu cérebro o registro de onde você conhece essa pessoa e resgatá-lo. Por você conhecer ou já ter ouvido falar dela é que será acionado em você o interesse de saber mais a respeito da morte dela, do contrário você passaria pela sala sem dar a menor atenção. E, ainda no exemplo, você perceberá que conhece o falecido porque assiste telenovelas, do contrário não o conheceria. Verá que construíram uma celebridade, um local para essa celebridade ser levada ao conhecimento de muitas pessoas e meios de levar pessoas a celebrar esse local. No caso: a televisão. Aqueles que não foram captados pela técnica de persuasão estão fora do círculo dos que dão importância para a informação dada pelo âncora do telejornal e para esses a notícia sequer existe. Existiria para eles também se ela fosse de importância cabal para qualquer pessoa, independente de ter sido capturada por qualquer processo.

Tá, e as outras notícias? O âncora não dá só esse tipo de notícia, ele também passa outras informações. Aí, pergunto para você: consegue citar alguma que me convença de que eu preciso mesmo dela e, mais ainda, que eu tenha que tomar conhecimento dela por meio do âncora do telejornal? Não? Eu podia supor. Para entender isso, vamos falar do liquidificador. Como? Do liquidificador? Aquele eletrodoméstico que tenho na cozinha? Sim. Ele mesmo. Ele serve para eu explicar minha tese.

Já ouviu falar das viagens espaciais? Por que elas são feitas? Qual a importância que elas têm para você e no que elas te ajudam? É difícil dar uma justificativa, não é? Parece que gastam aquele rio de dinheiro à toa. Como disse o Elton John em música: "Eu não sei explicar para que toda essa ciência, mas sei que é o meu trabalho semanal que paga". E todos nas nações que possuem programas espaciais – para dizer a verdade até nos que não têm – precisam contribuir para esse capricho arrogante. Desafiar o deus que eles próprios construíram, demonstrar superioridade de nação sobre nação, curtir uma aventurazinha pelo espaço sideral e inspirar produções cinematográficas e literatura de ficção científica. De prático parece que não tem nada. A não ser, é claro, que essa história não esteja sendo devidamente contada. A não ser que tenha um pormenor que não sabemos. Coisas como levar material daqui da Terra para outros lugares no espaço, a fim de providenciar uma fuga de uma elite para lá devido a uma hecatombe por vir; quem sabe: sustentar alguma civilização extraterrestre em algum desses lugares. A gente pensa que não há outro planeta habitável na nossa galáxia ou que na Lua não existe água ou ar, mas apenas rebatemos o que nos dizem. Nós não temos condições para ir até lá e verificar o que eles dizem. Nem material e nem financeira. E ver de perto é que tem que ser feito para se dar crédito. Maldito o homem que acredita no homem, não é?

Então, essa volta toda foi para eu dizer para você que existe sim uma justificativa para a pergunta que eu fiz: "Qual a utilidade da exploração do espaço". E não é uma justificativa, a que eu vou mencionar, do tipo que você tem que acreditar sem poder comprovar. Pelo menos diretamente não depende da sua boa vontade de constituir crença. No caso, mais uma, né, se você tem acompanhado meus textos. O liquidificador que você tem na cozinha, caso você seja um ser humano médio, só foi possível de estar no seu armário e te servir quando você precisar dele graças aos projetos espaciais. Precisavam resolver um problema para que fosse possível as viagens tripuladas. Um problema logístico de compartimento para a alimentação e mecânico do consumo dela. A quantidade de alimento a ser levado nas naves que carregam pessoas tem que ser compatível com a disponibilidade de espaço e de peso para armazenamento, além de ser possível a utilização pelos astronautas dentro do habitáculo considerando as limitações do traje espacial. o processo de defecação também requer especialização. E como! Precisaram inventar algo que tornasse o alimento líquido ou pelo menos pastoso. Logo apareceu o salvador da pátria, o qual chamaram de liquidificador.

É claro que você entendeu o questionamento implícito que eu coloquei nessa justificativa e com certeza está prestes a apresentar suas questões. Como este texto não é interativo e você não vai usar os comentários para que os outros que lerem também discutam ou saibam das questões, eu farei tudo. Colocar o liquidificador no mercado como uma invenção que só foi possível graças às expedições espaciais que as populações ajudam a pagar sem saber o retorno que dá pode justificar a causa do gasto abundante de dinheiro. Exceto se pensarmos: eu moro na Terra, não preciso me trancar em um cúbico e ter dificuldade de locomoção para comer. Posso comer até pelado e não preciso preocupar com espaço e peso na minha residência para guardar o que eu for comer. Aliás, eu não preciso sequer de formar uma dispensa e guardar mantimentos nela. Faço isso porque fui institucionalizado a fazer. Outra questão: não preciso preocupar com a minha digestão. Se eu tiver que cagar mole ou duro, meu banheiro ou meu vaso sanitário é compatível com o que vier. E o sistema de saneamento também. Para que eu preciso de liquidificador se não preciso de comida liquefeita? Vou economizar esse dinheiro e continuar não concordando em ter que pagar essa paranoia científica de levar gente para o espaço.

Fico feliz se você chegou a essa conclusão. Mas, se fores um ser humano médio, há de concordar que ainda assim tens um liquidificador em algum lugar na sua cozinha. Não tem? Isso anula todos os seus argumentos. Como pode? Se acalme, acho que tenho a resposta para isso também.

Precisam trabalhar a sua cabeça para que você encontre a necessidade e a aceitação para usar o artefato. Precisam lhe criar crença. Por isso eu usei o advérbio "diretamente" quando falei de crença aí para cima. Precisam criar um "way of life" para a sociedade aderir. Tem que haver a sensação de ganho ou de conforto. De modernidade ou de prosperidade. Prosperidade é igual a acumulação de matéria? Muitos acham que sim. Principalmente pastores evangélicos. Condicionados a achar, eu sei.

Outra coisa que precisam é criar hábitos que só serão possíveis de se satisfazer se houver a presença indelével do objeto que querem instituir. Na nossa história, a partir de então, as pessoas poderão consumir sorvetes, bolos, massas e outros derivados da cultura do liquefeito ou do pastoso. A forma natural de comer uma fruta ficou para o passado. Em pouco tempo, nem mesmo a banana, que ainda tiram a casca e comem, come se faz desde os cavernosos, conservará o formato de ser comida. E é impossível resistir a essa jogada, pois todos os produtos usados nos argumentos que endeusam o liquidificador são terminantemente gostosos. Não dá para ficar sem eles. Fomos viciados neles. Todo produto industrial tem como premissa principal ser gostoso muito mais do que nutritivo. Senão não vende. A maioria nem é nutritiva: falam que é na embalagem, falam que tem aprovação de nutrólogos e do órgão que registra os produtos, mas é porque é tudo farinha do mesmo saco e ganham com a sua crença e com o seu consumo. É por isso que você tem um liquidificador à sua disposição na sua cozinha. Você é facilmente institucionalizado pelo sabor. Você, eu e todo ser humano que mora no Ocidente pelo menos.

Bom, uma coisa é certa: tudo que é gostoso é ruim. Como assim? Você já procurou saber o mal que o refrigerante faz? E não é só o refrigerante, é também o chocolate, o sorvete, a pizza, os biscoitos recheados ou não, a bala, o doce, o pastel. Tudo isso é gostoso e faz mal para a saúde. E em pouco tempo. São eles os maiores responsáveis pelo câncer, pelo diabetes, pela dificuldade de os aidéticos se verem livre do vírus que os acometem. Açúcar, glúten, aspartame, dioxina, flúor, sódio, acidulantes e outras coisas é que derrubam o sistema imunológico humano. Sem essas coisas: sem flavor refrescante, sem o sabor que vende e que no slogan é "que alimenta". E também: sem saída da prateleira do supermercado. E a comida pastosa ou liquefeita facilita ainda mais a absorção desses "desnutrientes" pelo organismo. Aí eles dizem: "Não tem nada não, graças às viagens espaciais podemos contar com equipamentos de ressonância magnética, sondas, chapas de raio X, tomógrafos, radioterapia, isso tudo cuidará de curar as pessoas, olha que maravilha!". Mas é mentira. Nada disso, nem os remédios ou coquetéis, te livra de um mal desses e quando livra causa outro, afeta outro órgão que pode estar sadio. E sem contar que essas doenças nem existiriam não fosse o avanço tecnológico. Isso eles não gostam nem que falam. A gente tem que crer que é a evolução do homem que fez aparecer novas doenças. Ou seja: o homem evolui para a imperfeição.

Continue curtindo meus textos. Eu sou o A.A.Vítor, autor do livro "Contos de Verão: A casa da fantasia", no qual pode ser encontrado mais dessas coisas. Na forma de conto, ok?

Ah, tá, por que o liquidificador matou o José Wilker, né? Não sei dizer porque eu não assisto telejornal. Achei que o título te faria interessar em ler. Me desculpe!